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Cynthia Betti, Letícia Bahia e Tabata Amaral

O Brasil que sangra

Menstruação não pode mais ser obstáculo à dignidade de meninas e mulheres

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Cynthia Betti

Diretora-executiva da Plan International Brasil

Letícia Bahia

Diretora-executiva da Girl Up Brasil

Tabata Amaral

Cientista política, astrofísica e deputada federal (PSB-SP); formada em Harvard, criou o Instituto Vamos Juntas e é cofundadora do Mapa Educação e do Movimento Acredito

Seja por ignorância ou preconceito, muitos têm ridicularizado o crescente esforço de movimentos de meninas e mulheres para construir políticas públicas relacionadas à menstruação, insistindo que o assunto só cabe na esfera íntima.

Compreende-se: a relevância da menstruação no universo da sexualidade humana, entendida como a dimensão cultural da função biológica reprodutiva, outorgou-lhe o manto da vergonha. Por séculos, ela foi confinada a sussurros e distorcida por mitos infundados que ainda hoje impõem obstáculos a partir da menarca. Naturalizamos práticas sociais que vão contra a integridade, o desenvolvimento, a saúde, a liberdade e a vida das mulheres. Mas a mudança vem a galope.

Os efeitos da falta de acesso à informação sobre menstruação, produtos menstruais e infraestrutura de saneamento —tríade que compõe a chamada pobreza menstrual— são ainda pouco estudados, mas entidades como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Organização Mundial da Saúde, a Unicef e outras agências da ONU têm chamado atenção para os impactos negativos desta mazela. Mas não será exagero? Vejamos.

No Brasil de hoje, a população que menstrua está na casa dos 60 milhões. O que deveria ser um encontro mensal com um fenômeno natural, muitas vezes representa um desafio com impactos para a saúde, educação e renda.

No lugar de absorventes, mulheres usam panos e papel higiênico - Maria Ribeiro - P&G/Divulgação

Residências sem banheiro são realidade para 1,5 milhão de brasileiras, e 213 mil meninas frequentam escolas sem banheiro em condições de uso. Entre os 5% mais pobres, o gasto com absorventes pode ultrapassar os proventos de quatro anos. Como garantir higiene menstrual sem acesso a um chuveiro? Como frequentar a escola durante o período menstrual sabendo que lá não haverá banheiro para trocar o absorvente? Como conter o fluxo de modo digno, sem recorrer a métodos desconfortáveis ou até insalubres, se o orçamento obriga a escolher entre produtos adequados ou comida?

A mudança vem a galope, e nesta sexta-feira (28), Dia da Higiene Menstrual, é dia de falar sobre ela. Ainda há muito a fazer, mas há avanços a celebrar.

De autoria da deputada federal Tabata Amaral (sem partido-SP), o projeto de lei 428/2020, batizado de Livre para Menstruar, propõe a disponibilização de produtos de higiene menstrual, com prioridade para soluções sustentáveis, em espaços públicos como postos de saúde, presídios e escolas.

Na esfera estadual, meninas do Girl Up Brasil criaram um movimento de mesmo nome por meio do qual articularam projetos de lei em 11 unidades federativas, dois deles já sancionados. No “front” do saneamento, iniciativa da Plan International Brasil leva sistemas de água para comunidades rurais do interior do Maranhão, assegurando o básico para que pessoas que menstruam possam realizar sua higiene adequadamente.

A névoa começa a se dissipar, dando lugar ao diálogo, à produção de conhecimento e a iniciativas no setor público e na sociedade civil.

“Onde isso vai parar?”, perguntarão alguns. Na dignidade menstrual plena —nem um milímetro antes. Saneamento, informação e produtos menstruais. Até que toda menina, mulher e pessoa que menstrua seja livre para menstruar.

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