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Alexandre André dos Santos e Danilo Molina

O Inep que o Brasil precisa

Instituição deve deixar as páginas policiais e voltar ao centro do debate sobre a educação

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Alexandre André dos Santos

Pesquisador e ex-diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)

Danilo Molina

Jornalista, foi assessor do Inep, do Ministério da Educação e da Casa Civil da Presidência da República

Três recentes celeumas envolvendo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), autarquia do Ministério da Educação, acenderam o alerta de pesquisadores, educadores, gestores públicos e comunidade acadêmica. São elas: a não realização do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) neste ano, a obstrução da publicação de um estudo sobre o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e uma denúncia de possível fraude na apuração de irregularidades no Enade 2019 ( Exame Nacional de Desempenho de Estudantes).

O Inep não é apenas o órgão responsável pelo Enem. O Inep é a instituição do Estado brasileiro responsável por uma extensa produção de dados, informações, exames, avaliações e estudos na área da educação. Tem como missão subsidiar a formulação e avaliação de políticas públicas e atua no desenvolvimento de pesquisas, construção de indicadores, elaboração de diagnósticos, produção e disseminação de conhecimentos estratégicos para a educação do país. Recentemente, teve suas responsabilidades ampliadas com o novo Fundeb ( Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

Quando um estudo revela que o aumento na proporção de professores participantes do PNAIC melhora a média de seus estudantes na Avaliação Nacional de Alfabetização em linguagem e matemática, é preciso falar dessa política, e esse é o papel do Inep. E quando, ao compararmos o custo do programa com todo o acréscimo de rendimentos futuros que os alunos impactados teriam por conta de uma melhor alfabetização, o programa se pagaria, é preciso iluminar quais as chaves de sucesso dessa política —e esse também é o papel do Inep.

Mas, para tanto, precisamos dar condições para que esse tipo de estudo chegue à superfície e possa ser utilizado pela sociedade no debate público. Para isso, é preciso entender a importância do fortalecimento do Inep. A censura agride o princípio secular da liberdade de pesquisa e impede que esses subsídios possam ser utilizados por agentes públicos na elaboração, no acompanhamento e no aperfeiçoamento de políticas públicas. Por isso, a forte reação da sociedade civil contra a obstrução do Inep.

Não menos grave é a denúncia, publicada nesta Folha, de que o próprio ministro teria atuado diretamente em favor de uma instituição de ensino superior acusada por fraude no Enade 2019. A reportagem revela desde ameaças de demissão até a protelação do envio do caso à Polícia Federal após a área técnica do Inep ter concluído pela necessidade de investigação criminal.

O Enade é o exame utilizado para avaliar a qualidade dos cursos e das instituições de educação superior no Brasil. É um poderoso instrumento de indução da qualidade, uma vez que é critério para as instituições aderirem a programas como o Fies e o Prouni. A gravidade da denúncia exige rigor máximo na apuração por parte das autoridades responsáveis.

Já a não realização do Enem em 2021 revela a completa falta de planejamento e de sensibilidade que tomou conta da direção do Inep. Além de ameaçar políticas que dependem do exame, como o Sisu, o Fies, o Prouni e as cotas, a pedalada do Enem compromete o calendário pedagógico, depõe contra a credibilidade da autarquia e desconsidera a expectativa de milhões de estudantes.

Os desmandos no Inep, órgão com competência internacional reconhecida, despertaram a preocupação de sete ex-ministros da Educação de diversos governos, que assinaram um manifesto alertando que o órgão está em perigo. Para eles, a autarquia vem sendo enfraquecida, o que "coloca em risco políticas públicas cruciais para gestores educacionais, professores, alunos, familiares, além de governantes de todos os níveis”.

É evidente, pelos recentes exemplos, que o atual arcabouço jurídico do Inep não oferece mais condições institucionais apropriadas para garantir que o Instituto alcance sua missão com rigor, transparência e excelência. Precisamos tirar o Inep das páginas policiais e colocá-lo no centro do debate sobre a educação que o Brasil precisa.

Por isso, é preciso avançarmos em uma legislação que proteja o Inep de sucessivas e desgastantes nomeações de dirigentes e que fortaleça a autarquia como instituição de Estado a serviço do cidadão e da educação brasileira. Um Inep forte é fundamental para a produção consistente de indicadores educacionais e para a melhoria da qualidade da educação brasileira.

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