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Ronaldo Laranjeira

'Parasita' e maconha

Para que o final não seja desastroso, discussão sobre legalização deve ser baseada em evidências

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Ronaldo Laranjeira

Professor titular de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina/Unifesp e diretor-presidente da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina)

Uma das maravilhas do cinema é seu impacto na sociedade, não só como entretenimento, mas pelas provocações que levanta. Quantos filmes nos fizeram questionar situações que vivemos? Um deles é "Parasita", do diretor Bong Joon Ho. E é impossível não relacionar sua mensagem à minha vivência no combate à dependência química.

O filme aborda a relação entre duas famílias, uma que vive em condições precárias e outra na opulência. O enredo é cheio de atitudes repreensíveis ou chocantes por todos os lados, seja na busca pela gratificação ou para alcançar objetivos a qualquer custo. A pergunta que ele nos deixa é: quem é o verdadeiro parasita? Penso que os dois lados, de diferentes formas, com resultados desastrosos.

Relaciono essa situação com a dependência química em duas frentes. A primeira está na indústria por trás do lobby para legalização da maconha.

Testemunhamos hoje a promoção de uma cultura da maconha no mundo. Por trás dela, estão investidores ávidos por lucros milionários. O principal argumento que iniciou esse marketing da droga foi o da maconha medicinal, para diminuir a percepção de risco associada ao uso da Cannabis e atingir o maior número possível de futuros clientes, independentemente do custo. Isso levou a situações como o projeto de lei 399/2015, em análise no Congresso Nacional e que, dentre outros pontos, libera o plantio de maconha para fins medicinais.

E que custo podemos ter com essa liberação sem a devida fiscalização? A saúde de milhares de pessoas, que desconhecem a imensa diferença entre o ato de fumar maconha e o de usar uma substância extraída da Cannabis para fins terapêuticos, como o canabidiol. A indústria da maconha age como um parasita —aproveita-se de um produto sem patente e, em benefício próprio e às custas dos usuários, vende seu uso para inúmeras condições médicas sem comprovação concreta.

Em diversos aspectos, sua tática não é nova. Foi a mesma coisa com o álcool e o tabaco. Ou com farmacêuticas nos Estados Unidos, que mentiram sobre a capacidade do fármaco oxicodona causar dependência e incentivaram a classe médica a receitá-lo amplamente, agravando a epidemia do vício em opioides no país.

A segunda frente que aponto são as vítimas dessas medidas. Os dependentes químicos, impactados ao lado de seus familiares, que acabam dando suporte a um de seus membros, com menor capacidade de criar autonomia. Este é um dos danos da dependência. Além dos conhecidos efeitos emocionais e psiquiátricos, estudos realizados nos Estados Unidos apontam que até 30% dos usuários da droga não terminaram o equivalente ao ensino médio no país, apresentando transtornos no desenvolvimento pessoal, aumento dos casos de suicídio, depressão e até mesmo queda de inteligência.

É impressionante como a história se repete, pelo passado ser ignorado. Novamente, com as mesmas estratégias, interesses de mercado ficam acima dos da maioria da população. Lucro em detrimento da saúde. E aqui está a lição que tiro da relação entre o filme "Parasita", a indústria da droga e os usuários —não podemos permitir que, para objetivos mercadológicos serem alcançados, o ser humano seja a vítima do processo.

Ninguém é descartável. Na era do “eu”, de bolhas e verdades alternativas, precisamos filtrar o que é real do que é propaganda vazia. Isso será evitado com uma ampla e democrática discussão sobre a legalização das drogas, baseada em evidências, não em marketing. Precisamos pensar nisso, para que o final do nosso filme não seja desastroso.

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