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Mônica Sodré

Reforma eleitoral em debate enfraquecerá a democracia

Propostas põem em risco avanços sobre os quais nem colhemos os frutos

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Mônica Sodré

Cientista política e diretora executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps)

A maneira com que países convertem votos em cadeiras tem implicações e consequências importantes para a democracia, uma vez que determinam quais grupos ou perfis terão assentos nos Legislativos para a tomada de decisões de grande impacto na vida da população. No Brasil, a alteração dessas regras está novamente em debate no Congresso. Convém lembrar que, desde 1988, nunca disputamos uma eleição com base nas mesmas regras da anterior. Em 2022 não será diferente.

Atualmente, potenciais mudanças estão em discussão na Câmara dos Deputados, por meio da comissão especial que analisa a Proposta de Emenda Constitucional 125/2011, conhecida como PEC do Sistema Eleitoral, e pelo retorno do debate sobre a PEC 135/2019, a PEC do Voto Impresso, que conta com apoio do presidente Jair Bolsonaro e de sua base mais radical. As propostas colocam em risco avanços recentes da nossa democracia e sobre os quais sequer começamos a colher os frutos.

A cientista política Mônica Sodré - Zé Carlos Barretta - 21.fev.19/Folhapress

Não há sistema eleitoral ideal e, por todo o mundo, países buscam garantir duas características: governabilidade e representação. De um lado, os sistemas eleitorais do tipo proporcional, como o que regula as eleições brasileiras para as Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados, resultam em Parlamentos mais plurais e diversos, o que torna a governabilidade um pouco menor. Por outro lado, sistemas majoritários, como o que regula a eleição brasileira para o Senado Federal e que opera a partir da lógica de “o vencedor leva tudo”, acabam por originar Parlamentos com menor número de partidos representados. Sacrifica-se, nesse caso, a representação em nome da governabilidade.

No Brasil, a Constituição de 1988 quis que lógicas distintas regulassem as eleições de Câmara dos Deputados e Senado Federal, garantindo que os dois sistemas tivessem lugar em nossa democracia. À Casa que representa o povo garantiu-se a pluralidade do sistema proporcional. À Casa que representa os estados, menor número de representantes, menor número de partidos políticos e maior governabilidade.

A primeira grande mudança em discussão hoje gira em torno da implementação do chamado “distritão” para a eleição da Câmara dos Deputados. Além de não ser empregado em quase lugar nenhum do mundo, trata-se de um sistema que não vai baratear as campanhas eleitorais e tem, como consequência, o enfraquecimento dos partidos políticos, uma vez que torna as eleições ainda mais personalistas. Também torna mais difícil a eleição de grupos sub-representados politicamente, como mulheres e negros.

Manifestante pede "voto impresso auditável" em ato em defesa de Jair Bolsonaro na avenida Paulista, em São Paulo - Zanone Fraissat - 15.mai.2021/Folhapress

A segunda discussão presente na Câmara pretende acabar com a cláusula de desempenho e permitir a volta das coligações das eleições proporcionais. Ambas são importantes, mas a cláusula de barreira talvez seja a mais significativa, pois busca reduzir o número de partidos efetivos com assento no Parlamento por meio de uma “nota de corte progressiva”, ainda que preservando o sistema proporcional. Já o fim das coligações serve justamente para evitar distorções na representação, impedindo que um cidadão vote num candidato(a) alinhado a determinado conteúdo programático e eleja outro representante, de partido e ideologia distintos de outras legendas coligadas.

Por fim, a mudança mais polêmica é a PEC que prevê o retorno do voto impresso, que parecia tema superado no Brasil. A iniciativa é um retrocesso do ponto de vista eleitoral e coloca em dúvida o rigor e a lisura das urnas, sobretudo porque não há motivos para desconfiar do método atual. Com a volta dos votos em papel, poderemos ver favorecidas práticas clientelistas e criminosas de outrora.

No momento em que nossas instituições encontram-se fragilizadas, com ataque aos Poderes, disseminação de notícias falsas e declarações antecipadas de não aceitação dos resultados eleitorais, essas propostas em discussão no Congresso Nacional não ajudarão a resolver a distância que existe hoje entre eleitos e representados ou a produzir melhores resultados da tomada de decisão. As medidas vão na contramão disso, enfraquecendo nossa democracia.

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