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Morton Scheinberg

Vacinas e doenças autoimunes

Risco de agravamento é inferior ao benefício de evitar contaminação pelo vírus

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Morton Scheinberg

Especialista em doenças autoimunes, é doutor em imunologia pela Boston University, livre docente em imunologia pela USP e master do American College of Rheumatology

Doenças autoimunes ocorrem quando o sistema de defesa, o sistema imune, torna-se hiperativo e começa a desenvolver ataques contra os próprios órgãos do corpo.

Nesse grupo de doenças existem cerca de cem enfermidades, incluindo lúpus eritematoso, artrite reumatoide, doença inflamatória intestinal, esclerose múltipla e psoríase, entre outras menos frequentes.

Não conhecemos com precisão o porquê de elas ocorrem. Algumas dessas moléstias parecem estar associadas a infecções; outras, especula-se, podem estar relacionadas a uma predisposição genética ou a fatores desconhecidos que provocam um desequilíbrio nos mecanismos de tolerância imunológica, permitindo que o sistema de defesa lance um ataque contra si próprio.

A incidência de doenças autoimunes, na maioria dos países e no Brasil, varia entre 3% e 6%. Isso representa cerca de 20 milhões de brasileiros portadores de doenças autoimunes, atrás somente de problemas cardiovasculares, câncer e diabetes. Elas ocorrem com maior frequência em mulheres, e o seu diagnóstico pode demorar anos, pois muitas vezes os sintomas são confundidos com outros problemas de saúde. Estatísticas em diversas publicações apontam que, em média, se leva quatro anos para conseguir confirmar o diagnóstico de doença autoimune, além de o paciente geralmente acabar visitando seis médicos de diferentes especialidades.

Pois bem. O quadro de Covid-19 em portadores de doença autoimune tem sido muito variável. Alguns estudos, com número elevado de pacientes, dão conta de que não há muita diferença no quadro clínico de um paciente com e sem doença autoimune que desenvolve a forma mais grave da Covid-19. Houve um que apontou piora no quadro de pacientes com doenças autoimunes que desenvolvem a infecção pelo Sars-CoV-2 —no entanto, essa pesquisa não foi confirmada em outras observações.

Diante de tanta incerteza, muitos questionam se portadores de doenças autoimunes deveriam ser vacinados contra a Covid-19. Como o tratamento para essas enfermidades envolvem medicamentos que suprimem o sistema de defesa, vários pacientes temem tomar uma vacina que o estimule. O temor não é apenas pela dúvida se a vacina de fato funcionará, mas também de o imunizante reativar uma doença quando a mesma está latente em decorrência desses tratamentos supressores da enfermidade.

O objetivo da vacina é estimular o sistema de defesa a produzir anticorpos contra o vírus a partir de fragmentos do antígeno (o vírus atenuado) apresentados ao corpo pela própria vacina. Os imunizantes disponíveis hoje no mundo que usam a tecnologia do RNA não estão associados à presença dos vírus atenuados, mas existem vacinas que, em sua formulação, contêm componentes virais enfraquecidos.

Os estudos que avaliaram a eficácia das vacinas excluíram os pacientes portadores de doenças autoimunes, como foi o caso dos imunizantes da Moderna e da Pfizer. No entanto, não há relatos de eventos adversos graves nesse grupo de pacientes que tomaram a vacina. O que pode, e deve, ser discutido entre os pacientes e seus médicos é o melhor momento para tomá-la.

Se o paciente está em um período em que a sua enfermidade está ativa, pode ser melhor esperar a doença estabilizar antes da aplicação da vacina. Há algumas recomendações que avaliam ser necessário suspender o tratamento imunossupressor durante uma semana após a imunização. Mas essa recomendação precisa ser avaliada caso a caso, entre paciente e médico. E é importante os pacientes informarem a unidade onde forem vacinados de que é portador de uma doença autoimune.

É consenso, até o momento, de que portadores de doenças autoimunes irão se beneficiar mais tomando o imunizante. E que o risco de a vacina desencadear o agravamento da doença autoimune é inferior ao benefício de evitar a infecção provocada pelo Sars-CoV-2.

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