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Helio Silveira e Ricardo Penteado

A falácia do voto impresso

Projeto é desestabilizador, dispendioso e serve a propósitos antidemocráticos

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Helio Silveira e Ricardo Penteado

Respectivamente, presidente e consultor da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP; ambos são advogados especializados em direitos políticos e direito eleitoral

Jair Bolsonaro defende o voto impresso para as eleições em 2022, fazendo da sua proposta uma quase intimidação às instituições.

Sem irracionalidades, temos duas posições: a que sustenta que o atual sistema é seguro, notadamente porque o eleitor confere seu voto na tela da urna eletrônica antes de confirmá-lo, e porque a apuração final pode ser cotejada com os boletins de urna emitidos na própria seção eleitoral; do outro lado se propõe que o eleitor verifique o voto na tela e também numa via impressa, exibida no visor da impressora, e a apuração final seria tanto eletrônica quanto manual.

Entendemos que a impressão do voto eletrônico é desnecessária, desestabilizadora, nociva e caríssima.

É desnecessária porque, desde a instituição da urna eletrônica, há 25 anos, o sistema funciona adequadamente. Em 2020 tivemos eleições em mais de 5.000 municípios, sem que em nenhuma praça tenha havido impugnação por suspeita de fraude ou erro. Vale lembrar que o próprio presidente Bolsonaro compareceu a uma seção de votação em 2020 e não se manifestou contra a segurança da urna.

A impressão do voto é desestabilizadora porque cria a falsa expectativa de que o eleitor poderia corrigir o voto que acabou de confirmar na tela da urna eletrônica.

Imagine-se as possibilidades maliciosas de grupos dispostos a alegar discrepância entre o voto digitado e o voto impresso, apenas com o propósito de desacreditar o resultado da eleição ou com a intenção de anular seções eleitorais taticamente escolhidas. Imagine-se um movimento organizado com o objetivo exclusivo de desestabilizar o próprio sistema democrático.

É nociva a impressão do voto porque pode permitir a violação do sigilo do voto. Um terceiro poderia eventualmente “conferir” esse voto exibido em visor para constranger o eleitor ou para consumar uma eventual corrupção eleitoral, numa nova modalidade de curral eleitoral eletrônico. Acresça-se a possibilidade de o eleitor ser obrigado a registrar o voto impresso com um telefone celular para uma prova fotográfica de seu sufrágio.

Não bastasse, o custo para essa impressão seria de dezenas de milhões de reais, a exigir uma adaptação de todos os equipamentos da Justiça Eleitoral. Apenas o alto valor não justificaria a recusa da impressão de votos, mas, se a despesa é exorbitante e desnecessária, convenha-se que o dinheiro do contribuinte não merece desrespeito apenas para sossegar movimentos conspiratórios infundados.

O atual processo possui diversos mecanismos de segurança, como a disponibilidade do sistema para consulta pública, testes com hackers, sorteio de urnas para apuração simulada e chamada de votação paralela, entre outros meios que asseguram a sua confiança.

Nós, advogados que subscrevemos este artigo, atuamos dezenas de vezes em posições opostas em pleitos para Presidência da República, governo estadual, prefeituras e Parlamentos. Nestas duas últimas décadas, com eleições perdidas e ganhas de lado a lado, jamais tivemos que subscrever uma impugnação quanto à urna eletrônica. Parece-nos que a preocupação de Bolsonaro não é com a segurança do voto, mas colocar em desconfiança a própria democracia e suas instituições. Defender a urna eletrônica neste contexto é tão importante quanto defender a democracia no Brasil.

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