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Eugênio Bucci

A Folha cobre corretamente o governo Bolsonaro? SIM

É fácil apontar falhas, mas é imperioso reconhecer méritos

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Eugênio Bucci

Jornalista e professor da ECA-USP

Um erro de fundo comprometeu a cobertura das eleições de 2018 pelos principais jornais brasileiros: Jair Bolsonaro não foi objetivamente retratado como o que de fato era, um candidato assumidamente determinado a destruir a democracia, mas como uma alternativa “normal” para o posto. A “normalização” do abominável desinformou o eleitorado e impôs ao país um preço alto, muito alto.

Quanto à cobertura do governo Bolsonaro propriamente dita, a partir de 2019 a imprensa tem se saído melhor —e a Folha, em especial, brilha corajosamente. Já no final de 2018, as reportagens de Patrícia Campos Mello sobre o uso ilegal do WhatsApp pela campanha vitoriosa anteciparam qual seria o foco maior do jornalismo a partir de então: investigar, descobrir e apontar as reiteradas tentativas de golpe do governante contra as liberdades e o Estado democrático de Direito.

O jornalista e professor da USP Eugênio Bucci - Reinaldo Canato - 19.fev.20/Folhapress

Sem a Folha, estaríamos numa situação bem pior. Não teríamos, por exemplo, o melhor (porque pior) retrato da devastação ambiental que se tornou política de Estado: a fotografia de Lalo de Almeida mostrando o corpo de um bugio carbonizado no Pantanal, como se tivesse sido “congelado” repentinamente pelas queimadas. Aquele macaco paralisado, sem vida, exprime o espírito de um país inteiro, impotente contra a barbárie flamejante.

Sem a Folha, não poderíamos contar com o impulso de diversificação de articulistas que têm voz na esfera pública, aumentando a representatividade de mulheres, negros e da comunidade LGBT. Sem a Folha, não saberíamos tanto como sabemos hoje sobre antigas funcionárias fantasmas e as igualmente antigas "rachadinhas". Não saberíamos tanto sobre a necropolítica que potencializa a mortandade durante a pandemia, assim como não teríamos visto na Primeira Página uma foto de bom tamanho dos atos públicos que tomaram as ruas do país em 29 de maio para protestar contra este governo.

É fácil, ainda que necessário, apontar falhas no jornalismo brasileiro, já tão baqueado pela crise de sustentabilidade do negócio, mas é imperioso reconhecer os méritos deste jornal aqui.

É preciso defendê-lo dos ataques covardes e desproporcionais que vêm sofrendo. A Lei de Segurança Nacional é brandida contra articulistas, como Hélio Schwartsman. Em mais de uma ocasião, o governo ameaçou discriminar a Folha, impedindo-a de receber verba oficial. O presidente da República já intimidou anunciantes. As investidas do poder não cessam, só pioram, e não pelos erros, mas pelos acertos deste diário.

Por certo, defender a imprensa não se confunde com acomodação. Defender a imprensa é também criticá-la. O jornalismo pode fazer mais do que já faz. Em uma frente, pelo menos, vale uma sugestão. Em parceria com outros órgãos de imprensa, a Folha bem que poderia montar um grande banco de dados com todas as mentiras alardeadas pelo presidente e todas as tipificações dos possíveis crimes de responsabilidades cometidos por ele.

O jornal já publicou boas reportagens a respeito, mas poderia reorganizá-las num placar dinâmico que reunisse todas as mentiras governamentais e todas as tentativas de golpe, com atualizações diárias. Isso contribuiria para tornar mais visíveis os fatos que definem o caráter do pacto de poder que hoje desgoverna o Brasil.

Ainda no século passado, o grande jornalista Roberto Pompeu de Toledo escreveu um perfil deste jornal para a Vejinha. A primeira frase matava a charada: “Pior do que ler a Folha é não a ler”. Hoje, para o Brasil, é melhor, bem melhor, contar com a Folha.

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