Descrição de chapéu
Manuel Otero

América Latina e Caribe: da década perdida à década da esperança

Região tem os recursos para garantir a segurança alimentar e nutricional do mundo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Manuel Otero

Diretor-geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (Iica)

Vivem na América Latina e no Caribe cerca de 8% da população global, mas a região concentra 30% dos mortos do mundo pela Covid-19. Esta é também a região do planeta que em 2020 apresentou o maior retrocesso em matéria de geração de riqueza: o Produto Interno Bruto sofreu uma contração média de 7,1%, a maior queda em cem anos, com a consequente destruição de empregos.

O número de latino-americanos e caribenhos em situação de pobreza extrema aumentou a níveis que não eram vistos desde o biênio 1999/2000. Temos 12,5% da população total vivendo nesta condição.

Em contraposição a essa triste conjuntura, o setor agropecuário emergiu, exibindo musculatura e resiliência. Apesar dos prognósticos de colapso para os sistemas agroalimentares, a produção e as exportações do agro do continente americano registraram desempenho acima da média, superando desafios sanitários, logísticos e financeiros, transitando pelo mesmo caminho das últimas cinco décadas, em que a população mundial dobrou e a oferta de alimentos foi multiplicada por três.

A análise dos dados de 17 países da região revela que o incremento interanual das exportações agropecuárias foi de 2,7% em 2020, enquanto as vendas externas totais caíram 9,1%. Por sua vez, a contração do PIB agropecuário foi sensivelmente menor do que a do conjunto da economia; inclusive, em vários países da região, o crescimento foi mantido.

No entanto, a crise sanitária, com todas as suas consequências socioeconômicas, colocou sobre a mesa uma necessidade: rever as estratégias de todas as atividades de bens e serviços do mundo, e a agricultura não pode ser uma exceção.

No futuro, o setor precisa aprofundar seu processo de transformação pelos caminhos das conquistas já alcançadas e, ao mesmo tempo, assumir desafios inadiáveis, como o aumento da produtividade para gerar alimentos mais saudáveis e nutritivos, além de internalizar a dimensão ambiental, reduzindo a emissão de gases do efeito estufa e aumentando o sequestro de carbono dos solos.

São muitas as mudanças já introduzidas nos sistemas produtivos da América Latina e do Caribe que nos permitem ser otimistas, como o plantio direto, a rotação de culturas e a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), entre outras.

Um dos caminhos mais promissores é o da bioeconomia, associada à economia circular, que cria condições para intensificar o uso dos recursos e processos biológicos e permite ao setor agropecuário ingressar na geração de valor em cadeias tradicionalmente não vinculadas a este setor.

A maior quantidade de biomassa residual da região provém do arroz. Resíduos alimentares de bovinos, leite, café, cana-de-açúcar, cítricos e do abacaxi, longe de serem uma ameaça ao meio ambiente, devem ser vistos como um recurso essencial para gerar produtos de alto valor agregado, entre eles biofertilizantes, biocombustíveis, biometano, biogás e químicos.

Precisamos aproveitar a fundo o potencial que oferece a nova era e restaurar a ferida social provocada pela pandemia. Para isso, é urgente contar com robustos sistemas nacionais de ciência e tecnologia, com a ativa participação do setor privado, e redefinir prioridades em matéria de pesquisa e desenvolvimento.

A América Latina e o Caribe contam com todos os recursos para materializar seu papel de garantidor da segurança alimentar e nutricional do mundo, junto com a sustentabilidade ambiental do planeta.

Às vésperas da Cúpula Mundial dos Sistemas Alimentares, convocada pela ONU, é tempo de reafirmar a importância central da atividade agropecuária. É nela que está a chave para deixar definitivamente para trás a década perdida e embarcar em uma década que nos devolva a esperança.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.