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Marimelia Porcionatto

Como enfrentaremos as sequelas da Covid?

Consequências em longo prazo são desconhecidas e, por isso, pedem urgência

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Marimelia Porcionatto

Professora da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente da Sociedade Brasileira de Biologia Celular (SBBC)

Na CPI da Covid, no Senado, temos visto uma placa que indica o número de “pessoas salvas”. A intenção óbvia é contrapor às placas que mostram o número de vítimas da doença.

No Brasil, o total de pessoas que testaram positivo para a Covid-19 chega a 18,2 milhões, e o número de mortes já passa dos 507 mil. O resultado mostrado na placa das “pessoas salvas” é a subtração do número de mortos do número total de infectados. Parece simples, mas essa aritmética não considera o cômputo de pacientes que se recuperaram da infecção e enfrentam sequelas —ou, ainda, uma forma persistente da doença: a síndrome pós-Covid.

A Covid-19 de longa duração ainda é envolta em desconhecimento, o que os cientistas devem investigar nos próximos meses e anos. Países que conseguiram controlar a pandemia já estão preocupados com as sequelas. Em dezembro de 2020, o governo americano aprovou um investimento de US$ 1,15 bilhão para que o NIH (“National Institutes of Health”), apoie pesquisas sobre a Covid longa. Segundo relatos de médicos e pacientes, os sintomas incluem fadiga, falta de ar, confusão mental, desatenção, distúrbios do sono, febre, desarranjos gastrointestinais, ansiedade e depressão. O Reino Unido também já reconheceu o problema e anunciou em fevereiro um investimento de 38,5 milhões de libras para financiar estudos.

Dos mais de 18 milhões de brasileiros que se recuperaram da doença, quantos estão sofrendo com a Covid longa? Ainda não sabemos, mas, tomando como base estudos realizados em países que já se preocupam com isso, é possível ter uma ideia.

Os trabalhos ainda estão em andamento, e não se sabe ao certo quais os riscos de desenvolvimento nem por quanto tempo ou quão debilitantes poderão ser os sintomas. Acompanhados depois da alta, de 32% a 84% dos pacientes hospitalizados relataram a persistência de sintomas ou aparecimento de sintomas novos, segundo estudo realizado pela Universidade Columbia (EUA). Pesquisas produzidas pelo Escritório do Reino Unido para Estatísticas Nacionais com indivíduos que testaram positivo para Covid mas não tiveram que ser hospitalizados revelam que cerca de 14% têm sintomas que persistem por mais de 12 semanas após a detecção da infecção.

Esses dados sugerem que no Brasil temos, potencialmente, 2,5 milhões de pessoas com a Covid longa. Com a aproximação da terceira onda da pandemia e a lentidão na vacinação, a perspectiva é que esse número aumente. No Brasil, a comunidade de profissionais da saúde reconhece o problema e tem alertado para a necessidade de criação de protocolos e unidades para tratamento de pacientes nessas condições.

Para completar o enfrentamento à Covid longa, além do atendimento multiprofissional adequado, é necessário apoiar os cientistas para que possam desempenhar seu papel na compreensão dos diferentes aspectos da doença. Recentemente, o professor Gonzalo Vecina Neto expressou nesta Folha a sua preocupação com a urgência da criação de um Centro de Controle de Doenças com vistas ao enfrentamento da próxima pandemia. Vecina Neto apontou cinco instrumentos para isso, que vão de um sistema de saúde de acesso universal até a formação de pesquisadores para novas áreas do conhecimento.

Nos últimos anos, os cortes no financiamento à ciência e à educação têm afastado jovens pesquisadores das atividades científicas —muitos têm deixado o país para se fixarem em institutos e universidades do exterior. Inúmeras manifestações e alertas já foram feitas a respeito desses problemas, com quase nenhuma ressonância nos ouvidos de quem tem o poder de decisão.

É indispensável o financiamento à pesquisa e à formação de recursos humanos com aporte para institutos públicos científicos e de pesquisa, incentivos a investimentos privados e desbloqueio dos recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

As sequelas da Covid vão além dos sintomas físicos. Enfrentaremos sequelas na educação e na economia, e a participação da comunidade científica na proposição de soluções para os problemas é, como sempre, fundamental e imprescindível.

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