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Paulo Feldmann

Devagar com o andor

Bastará um país agrícola? Como gerar empregos se indústria e serviços vão mal?

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Paulo Feldmann

Professor de economia da USP e ex-presidente da Eletropaulo (1995-96, governo Covas), foi diretor e presidente no Brasil de multinacionais como Microsoft, Ernst & Young e Sharp

O Brasil atravessa uma fase conturbada e tão difícil —com tantos problemas que demandam soluções urgentes, como a pandemia, os quase 500 mil mortos, o desemprego, a fome e a falta de vacinas— que, quando aparece uma estatística favorável, muitos se apegam a mesma e começam a soltar rojões de forma irresponsável. É o que está acontecendo agora apenas por que o IBGE divulgou que o PIB cresceu 1,2% no primeiro trimestre deste ano. Mas o mesmo IBGE diz que no Brasil há mais de 33 milhões de pessoas desocupadas, o que representa um terço do contingente de cidadãos em condições de trabalhar. Pouco se fala disso, contudo.

O fato é que mesmo esse crescimento ilusório se deve à excelente performance da nossa agricultura, alimentada pela alta no preço internacional das commodities. Há que se analisar o reverso da moeda.
Essa alta no preço das commodities acaba gerando uma entrada maior de dólares no país, o que está provocando a atual valorização do real. No entanto, quando o real se fortalece, nossa indústria não consegue exportar, o que vai prejudicar a possibilidade de uma retomada que começava a se configurar quando o dólar estava perto de R$ 6. Por outro lado, a própria estatística do IBGE mostra que o setor de serviços foi mal, inclusive no primeiro trimestre. Ou seja, vamos ser um país essencialmente agrícola? Como gerar empregos se indústria e serviços vão mal?

A inflação é outro aspecto que assusta. Ela tem subido com vigor mês a mês, e um dos índices mais confiáveis do país, o IGP-DI (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna), aponta simplesmente que nos últimos 12 meses chegou a 36,53%.

As empresas multinacionais, por atuarem em diversos países ao mesmo tempo, possuem uma capacidade maior de identificar problemas nos ambientes das nações. E não é por outra razão que estamos registrando uma debandada das mesmas. Deixaram o Brasil recentemente Ford, LG, Nike, Mercedes-Benz, Roche, Sony, Cabify, Nintendo, 3M e Walmart (apenas para citar marcas mais conhecidas). Para elas, o ambiente de negócios é o aspecto mais importante ao decidirem se instalar em determinado país —por sinal, uma doença crônica do nosso.

Mais preocupante é que nada está sendo feito para atacar as causas. Por exemplo: qualquer empresa precisa transportar mercadorias, mas, segundo estudo do WEF (World Economic Forum) de 2019, esta atividade no Brasil é incomparavelmente mais custosa que na grande maioria dos países, e isso ocorre porque cometemos a insanidade de, há mais de 40 anos, acabar com as ferrovias. O custo de transporte no Brasil é tão alto que começa a ameaçar a competitividade da agricultura, o nosso atual carro-chefe.

Há que se considerar que antigamente as multinacionais procuravam mão de obra barata, mas hoje o mais importante é a qualificação. Ora, nosso sistema educacional, quando avaliado por instituições internacionais como o Pisa, está entre os piores do mundo. Consequentemente, falta escolaridade para os nossos trabalhadores, pelo menos do ponto de vista das empresas estrangeiras.

A insegurança jurídica é dos fatores que mais incomodam as multinacionais, não só pela constante mudança da legislação, mas pela lentidão e pelo caráter errático das decisões judiciais que acarreta processos intermináveis.

Ao se instalarem em um país, as empresas estrangeiras procuram conhecer quais são os planos e as prioridades. Alguém conhece o que o governo federal pretende fazer em 2022, fora ganhar as eleições?

Em suma, um ligeiro aumento do PIB não poderia ter desencadeado esse clima de euforia que estamos vivenciando. Chega a ser má-fé arrotar maravilhas para a economia brasileira neste momento dramático.

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