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Jean Marc von der Weid

Geração 1968 na luta: ontem, hoje e sempre

Não podemos esmorecer diante das novas aventuras autoritárias

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Jean Marc von der Weid

Ex-presidente da UNE (1969-1971), é fundador e diretor da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia

Éramos 100 mil no Rio de Janeiro no dia 26 de junho de 1968. Éramos mais de meio milhão em manifestações de rua por todo o país. Foram as maiores contra a ditadura militar até a campanha das Diretas Já, 16 anos depois. Estudantes universitários iniciaram as manifestações em maio, mas, em junho, a imensa maioria dos participantes era de populares. Gritávamos “abaixo a ditadura” e “o povo na rua derruba a ditadura”, expressando nosso objetivo e o caminho para alcançá-lo.

A resposta do regime militar ao povo na rua foi mais violência. Seguiram-se 17 anos de chumbo em que muitos daqueles que estavam nas ruas tiveram que se esconder da repressão ou se exilar. Muitos foram presos, torturados e assassinados. Duramente golpeada e sacrificada, a Geração 1968 resistiu até que o povo voltou a enfrentar o poder militar em 1977, 1978 e 1979. Estudantes, operários, mães e parentes de desaparecidos, presos e exilados, entre muitos outros, voltaram às ruas, abrindo caminho para a redemocratização.

Pouco antes da Passeata dos Cem Mil, milhares de estudantes e manifestantes se reúnem diante da Assembleia Legislativa do Rio, onde líderes como Vladimir Palmeira discursaram - 26.jun.1968/Folhapress

A democracia conquistada pelo povo brasileiro ficou muito aquém do que era e continua sendo necessária para dar ao Brasil garantias contra a volta de pressões arbitrárias. Torturas, assassinatos e desaparecimentos continuam impunes, e as Forças Armadas brasileiras ainda não admitiram seus erros e crimes contra a democracia e os direitos humanos, como fizeram as de países latino-americanos vítimas de ditaduras —a exemplo de Chile, Argentina, Peru e Uruguai. Tão ou mais grave que tudo: as Forças parecem agora seduzidas por novas aventuras autoritárias, lideradas por um capitão que afirmou lamentar que a ditadura militar não tivesse matado pelo menos mais 30 mil brasileiros.

Entre os militantes da Geração 1968 havia grande diversidade de opiniões. Uma coisa, porém, nos unia e nos une até hoje: ansiávamos e ansiamos por liberdade e por justiça social. Sonhávamos com aquilo que faltava a nosso povo: liberdade de opinião, de organização e de manifestação, reforma agrária, direitos trabalhistas, independência e autonomia frente a potências estrangeiras. E nos envolvemos também em muitas outras batalhas: nos costumes, nas relações de gênero, no questionamento ao machismo e ao patriarcalismo, na promoção da música popular, do novo cinema nacional, das artes plásticas, do teatro.

O contexto em que a Geração 1968 volta a se manifestar é dramático. Jair Bolsonaro representa não apenas a ameaça de uma nova ditadura, pois já colocou em marcha a desagregação da sociedade brasileira; a decomposição do Estado nacional; a corrosão da esfera pública; a destruição do meio ambiente; o isolamento diplomático do país; o armamento de milícias; a contaminação descontrolada pela pandemia de Covid-19, com mais de meio milhão de óbitos; o desemprego de 40 milhões; a fome e a desnutrição, que já afetam a metade da população; a regressão das relações sociais a um universo onde prevalece a lei do mais forte; e a opressão de negros, mulheres, quilombolas, indígenas e quaisquer discrepantes de sua ideologia retrógrada.

Afastar Bolsonaro do poder é essencial para preservar as instituições da República. Embora sejam muitas as formas de resistência defendidas na Geração 1968, sou daqueles que acham que a emergência nacional em que vivemos cobra uma aliança de todas as forças em defesa da democracia. Esquerda, centro e direita não bolsonarista precisam se unir sem disputas de hegemonia ou interesses eleitorais imediatistas.

A Geração 1968 não é partido, organização política ou sindicato. É um conjunto diversificado de pessoas comprometidas com ideais pelos quais estamos lutando há mais de 50 anos. Por essa razão, com toda a nossa diversidade, nos juntamos a quem está na luta para livrar o país de Bolsonaro e seus seguidores.

Uma série de eventos diversificados estão sendo agendados para o próximo sábado (26), comemorando a Passeata dos Cem Mil e reafirmando a disposição de não nos deixarmos afogar na onda liberticida. Que venham a Geração 1968 e muitas mais para gritar bem alto e forte: “Fora, Bolsonaro! Ditadura nunca mais!”.

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