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Quiproquó identitário

Declaração preconceituosa de presidente argentino dá munição para Bolsonaro

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O presidente da Argentina, Alberto Fernández - Juan Mabromata - 12.ag.20/AFP

A elaboração de mitos identitários, criados para explicar a origem de determinado povo, aparece como traço do processo de formação histórica de inúmeras nações.

No Brasil, por exemplo, forjou-se a ideia das três raças, expressão que traduz uma espécie de congraçamento de índios, africanos e europeus num único povo miscigenado, o que pode escamotear a violência secular contra negros escravizados e a quase dizimação das populações originárias.

A Argentina não foge à regra, como a lamentável declaração do presidente do país, Alberto Fernández, voltou a evidenciar.

Recebendo em Buenos Aires o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, o mandatário disparou, durante uma entrevista coletiva na quarta-feira (9): “Os mexicanos vieram dos indígenas, os brasileiros, da selva, e nós, os argentinos, chegamos em barcos. Eram barcos que vinham da Europa”.

Para além de seu evidente caráter preconceituoso, a afirmação veicula também a imagem, fabricada no século 19, da Argentina como uma nação de origem estritamente europeia, destituída de raízes indígenas ou africanas.

Diante da repercussão negativa, Fernández, que erroneamente atribuiu a frase ao escritor mexicano Octavio Paz, ainda tentou se desculpar, mas o quiproquó continental já estava criado.

Antagonista ideológico do argentino e frequentemente criticado por declarações preconceituosas e xenófobas, Jair Bolsonaro não deixaria de aproveitar a oportunidade de desforra fácil. Publicou foto sua ao lado de indígenas com a legenda “Selva!” —expressão de cumprimento no Exército.

Nesta quinta (10), voltou à carga, associando Fernández ao ditador da Venezuela, Nicolás Maduro.

Ao presidente brasileiro, que teve a popularidade derrubada pela gestão ruinosa da pandemia, convém alardear as agruras de seus congêneres à esquerda na América do Sul. Embora distante da catástrofe humanitária venezuelana, a Argentina padece de crônica desordem econômica, com graves impactos sociais e políticos.

Bolsonaro se vale da dificuldade de seus maiores adversários domésticos em se distanciar de erros e desastres de tais governos.

editoriais@grupofolha.com.br

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