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Floriano de Azevedo Marques Neto e Humberto Gomes Ferraz

Supremo acertou os sintomas, mas errou o remédio

Patente não pode ser eterna, mas também não deve ser incerta e precária

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Floriano de Azevedo Marques Neto

Diretor da Faculdade de Direito da USP

Humberto Gomes Ferraz

Diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP

Julgamento recente do Supremo Tribunal Federal concluiu ser inconstitucional a regra prevista na Lei de Propriedade Industrial (LPI) que conferia prazo de exclusividade mínimo contado do efetivo registro de uma patente e não na apresentação do pedido de registro de patente ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

O relator, ministro Dias Toffoli, defendeu que a Constituição exigiria a fixação legal de um prazo certo, inflexível. O dispositivo questionado (o parágrafo único do artigo 40) da lei determinava que o prazo de vigência não seria inferior a dez anos contados do momento em que a patente é registrada, algo incerto. O STF decidiu que a inconstitucionalidade alcança patentes já vigentes para medicamentos e equipamentos de saúde. Perderão a proteção as patentes de medicamentos com mais de 20 anos contados da apresentação ao Inpi.

O prazo estendido, declarado inconstitucional pelo STF, tinha razão de ser. O Inpi tarda um tempo absolutamente incomum para analisar um pedido. Em 2018, por exemplo, o tempo médio de análise de uma patente nos EUA era de dois anos. Já no Inpi, 10,5 anos. O prazo da análise do instituto varia com o ramo de atividade. Em 2018, a divisão mais morosa era a de fármacos, com 13 anos de espera desde o pedido de registro de uma patente até a aprovação do seu registro.

Segundo o relator, ministro Dias Toffoli, na hipótese do Inpi demorar 15 anos para conceder uma patente, pela garantia adicional de dez anos desde a concessão, ao final, o período de proteção terá sido de 25 anos. Pelo entendimento vencedor no Supremo, o prazo ampliado daria vantagem excessiva aos detentores das patentes e impediria a entrada de concorrentes, ensejaria preços elevados em prejuízo aos consumidores e ao sistema de saúde.

A decisão da corte fez um diagnóstico correto, mas apresentou prognose equivocada. Há um problema no tempo que o Inpi leva para fazer o registro de patentes, algo sem paralelo internacional. E há uma pressão por flexibilizar patentes de fármacos num momento de pandemia. São constatações corretas.

Mas acabar com a regra do parágrafo único do artigo 40 é dar o remédio errado ao paciente.
Patentes não podem ser eternas, é fato. Mas também não podem ser incertas e precárias, como decorre da decisão do STF. Entre a apresentação e o registro não se tem propriamente proteção ao inventor. Como lembrou o ministro Luís Roberto Barroso, o que se tem é uma expectativa fragilmente protegida. A exclusividade constitucionalmente garantida só é efetiva após o registro. Como o Inpi não tem prazo para registrar, ao fazer fluir o prazo legal de proteção neste período de baixa proteção, a decisão fragilizou as patentes no Brasil. Foi na contramão do incentivo à ciência, à inovação e à invenção.

A situação pandêmica pode e deve ser enfrentada com soluções efetivas, não com um retrocesso num sistema que existe há décadas e tem dado certo. Os maiores interessados num regime fiável e estável de proteção patentária não são as empresas que as exploram. São os pesquisadores e inventores. É a ciência. No aparente conflito entre as multinacionais farmacêuticas e a indústria nacional de genéricos, perderam as universidades. Perdeu a ciência. Uma pena.

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