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Caio Leonardo Rodrigues

A CPI da Covid tem competência para investigar o presidente Jair Bolsonaro? NÃO

Não cabe a qualquer espécie de comissão convocar o chefe de governo

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Caio Leonardo B. Rodrigues

Advogado e profissional de relações institucionais e governamentais em Brasília

A CPI da Pandemia descobriu suspeitas de ilegalidades que podem levar ao indiciamento do presidente da República por crimes de corrupção e formação de quadrilha. A questão que esta Folha coloca é se uma CPI pode investigar o presidente da República. Entendo que nem uma CPI, nem qualquer comissão, de qualquer natureza, instituída por qualquer das Casas do Congresso Nacional, tem a atribuição de convocar o presidente da República para depor, seja como testemunha, seja como indiciado, seja como réu.

As comissões, gênero do qual as CPIs são espécie, são objeto do artigo 58 da Constituição Federal, o qual, em seu inciso III, permite convocar ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições. Ora, se a Carta autoriza comissões a convocar ministros, mas cala-se sobre o presidente, então conclui-se que não cabe a qualquer espécie de comissão convocar o chefe de governo —nem mesmo uma CPI.

As CPIs, segundo o parágrafo 3 do próprio artigo 58, terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais para a apuração de fato determinado e por prazo certo, e que suas conclusões serão encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Elas têm, portanto, poderes instrutórios, mas não condenatórios.

Podem convidar ou convocar cidadãos e autoridades a testemunhar ou depor, conforme seja o caso. Porém, há três limitações claras a esse poder instrutório: 1 - quem quer que seja chamado precisa ter o que dizer (ou recusar-se a dizer) sobre fato ou ato relacionado diretamente com o objeto da CPI; 2 - a instrução somente pode dizer respeito às atribuições de controle do Poder Executivo que a Constituição lhe faculta, ou seja, ao governo federal ou a quem faça uso de recursos federais; e 3 - não pode incluir a convocação do presidente da República.

A não convocação de modo algum significa que a CPI esteja impedida de investigar fatos e atos que possam levar à pessoa do chefe do governo.

A CPI pode obter indícios de conduta ilícita da parte do presidente. Caso isso aconteça, caberá a ela dar publicidade aos fatos, documentos, testemunhos e o mais que seja elemento de prova da conduta ilícita, de modo a que deputados federais, tomando ciência disso e alcançando em número dois terços da Câmara, possam dar início ao processo contra o presidente da República, conforme o artigo 51, I, da Constituição: “art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o presidente e o vice-presidente da República e os ministros de Estado; ...”.

Já foram apresentados famosamente 120 pedidos de impeachment do atual detentor do cargo máximo da República. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), não deu andamento a nenhum deles. Está em seu direito de não gerar mais caos do que a nação brasileira já está vivendo. Porém, esse direito cessará no momento em que dois terços dos membros da Câmara subscreverem qualquer dos pedidos de impeachment. Alcançado esse quórum, a Constituição Federal sobrepor-se-á à vontade do presidente da Câmara, e processar o presidente da República será obrigatório.

Em suma, o presidente da República não será visto numa sessão de CPI, a não ser que para lá dirija-se voluntariamente, o que não é improvável dado o seu perfil impetuoso. Porém, a cada dia parece menos improvável que o vejamos no plenário do Senado Federal, conforme ou não a sua vontade.

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