Descrição de chapéu
Rafael Maffei e Thomaz Pereira

A CPI da Covid tem competência para investigar o presidente Jair Bolsonaro? SIM

Se há crimes de responsabilidade no horizonte, ação parlamentar é legítima

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rafael Maffei e Thomaz Pereira

Professores, respectivamente, da Faculdade de Direito da USP e da FGV Direito Rio

Quando um escândalo de corrupção se aproxima do Palácio do Planalto, quem pode investigar o presidente?

A mesma Constituição que estabelece prerrogativas e imunidades presidenciais também cria mecanismos para responsabilizar essa autoridade. Seus contornos têm sido estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal e por práticas do Congresso.

Quando os fatos referem-se a ilegalidades cometidas durante o mandato, como pode ser o caso da omissão de Jair Bolsonaro diante de possível corrupção no Ministério da Saúde, não há imunidade.

A Constituição é taxativa ao admitir responsabilização do presidente por crimes comuns e de responsabilidade cometidos no cargo. Para tanto, alguma investigação prévia fatalmente é necessária.

Não faz sentido imaginar que a Carta permite responsabilizar o presidente por crimes, mas impede que ele seja investigado por esses crimes.

E quem pode investigá-lo?

Não há dúvida de que um inquérito penal pode ser iniciado no STF, com participação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Isso já ocorre atualmente: Bolsonaro é investigado por alegadas interferências na Polícia Federal para proteger a família e os aliados. Tampouco há dúvida de que, em matéria de crimes de responsabilidade, as comissões especiais de impeachment podem realizar diligências necessárias ao esclarecimento das denúncias.

E quanto à CPI? Mesmo que se entenda que uma Comissão Parlamentar de Inquérito não pode investigar o presidente por crimes comuns, por sua prerrogativa de foro no STF, nada a impede de investigá-lo por possíveis crimes de responsabilidade.

A "CPI do PC Farias”, em 1992, não se furtou a apurar quebra de decoro do ex-presidente Fernando Collor de Mello, por sua relação com o amigo traficante de influência, nem sua improbidade por omitir-se quanto ao esquema de corrupção que acontecia em seu círculo próximo.

O relatório final daquela comissão concluiu que Collor se portara de modo “incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”, repetindo literalmente o dispositivo da Lei do Impeachment pelo qual ele acabaria condenado.

Mas há também fundamento para entender que CPIs podem apurar fatos que caracterizem crimes comuns do presidente.

Ao caso Collor, novamente: o relatório da CPMI de 1992 dedicou um item inteiro às condutas do então presidente, imputando-lhe recebimento de “vantagens econômicas indevidas”. Na sequência, a PGR denunciou-o por corrupção e formação de quadrilha. Collor tentou repetidas vezes barrar a CPMI no STF, argumentando que ela não poderia investigá-lo. Nunca teve sucesso.

O princípio da separação de Poderes não impede que o Executivo seja investigado pelo Legislativo, muito menos quando crimes de responsabilidade estão no horizonte: a competência, nessa matéria, é propriamente parlamentar.

Mesmo que se entenda que o presidente não possa ser convocado a depor, resta a opção do depoimento por escrito —ou do direito constitucional ao silêncio. Havendo ilegalidade concreta praticada pela CPI contra o presidente investigado, ele poderá buscar proteção no STF, como qualquer investigado.

Uma CPI apura fatos. O significado jurídico desses fatos, e as providências que demandam, é questão forçosamente subsequente: se puderem caracterizar crimes comuns, o bastão passa ao Ministério Público; se crimes de responsabilidade, a resposta é o impeachment.

Há farto histórico de CPIs que investigaram autoridades com prerrogativa de foro no Supremo, inclusive com inquéritos penais concomitantes em andamento. Nada na Constituição, ou nos princípios republicanos que a inspiram, sugere que o presidente seja exceção à regra.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.