Descrição de chapéu
Luiz Guilherme Piva

Bitcoin na mão é vendaval

Só investiria se aceitassem em troca emojis de sorrisinho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Luiz Guilherme Piva

Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de ‘Ladrilhadores e Semeadores’ (Editora 34) e ‘A Miséria da Economia e da Política’ (Manole)

No princípio eram as trevas. E disse Deus: “Faça-se o bitcoin!”. E esse foi o dia primeiro, em 2009. Todo o período até então (um tempo, dois tempos e metade de um tempo) foi de escuridão.

Essa é uma fé que move pirâmides e adora o bitcoin porque ele não existe: é não ver para crer. Diferente de um emoji de sorrisinho, que podemos ver, juntar e trocar —por um emoji de coração, conforme o câmbio.

Nessas funções, o emoji se parece com o dinheiro, cuja base é a fidúcia: a crença de todos, assegurada pela confiança no monopólio do Estado sobre a moeda, de que pedras, sal, cédulas, círculos de metal de jogar cara ou coroa (ou toss, como se dizia na vigência do padrão-ouro), cartões etc. servem como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta, as três funções básicas do dinheiro.

Antes dele, tudo eram escambos. A sofisticação de bens e serviços e os calotes (uma ovelha pré-datada podia morrer em 30 dias) levaram à adoção de objetos de referência (lastro). Metais preciosos foram escolhidos por sua perenidade, mas foram substituídos por representações, dada a dificuldade de carregar tonéis de ouro para o shopping, por exemplo.

Vêm o papel-moeda, os cheques e outras formas de traduzir a existência dos metais. Até que, com o fim do padrão-ouro, a fidúcia seguiu sendo, em parte, a confiança na consistência das economias e, mais e sempre, no monopólio estatal de emissão. Ou seja: há lastro e as três funções permanecem, sejam elas exercidas por dígitos, lobos-guará ou Pix.

As criptomoedas acabam com isso. Elas são criadas sobre uma tecnologia de armazenamento criptografado de registro de operações sem autoridade validadora —as blockchains. São ativos digitais usados como meio de troca com base nessa criptografia (um idioma cifrado
—um Klingon, digamos—, entendido somente por seus inventores).

E, apesar de as transações serem públicas, não se sabe quem envia e quem recebe o bitcoin nem o motivo das transferências. O reino do bitcoin não é deste mundo.

Paul Krugman diz que o bitcoin usa chaves de criptografia “para estabelecer cadeias de propriedade em tokens que dão aos seus atuais detentores o direito de... bem, de propriedade desses tokens”. E, como muitos outros analistas, só o vê cumprindo as funções do dinheiro para atividades ilegais.

De fato, numa espécie de comunhão de corpo e espírito, ou de teoria e prática, o único país que o adotou como moeda é dominado por milícias do tráfico de drogas e de armas e se chama, vejam só, El Salvador. Quebram-se, assim, os monopólios que definem o Estado: o do uso da força e o da moeda. Talvez o evento contagie Bancos Centrais de sociedades parecidas, não sei.

Outro aspecto é que a criação de bitcoins é feita por “provas de trabalho”: demonstrações matemáticas inseridas em blockchains. A “mineração” de novas provas requer enormes “fazendas” de computadores, com gigantesco consumo de energia. É cada vez mais difícil e socialmente dispendioso gerar essas provas.

Por fim, a insegurança regulatória e as pirâmides geram oscilação vertiginosa: o valor do bitcoin pode variar 40% ou mais num único dia. É para fechar os olhos e rezar.

Não sei vocês (cada um com sua confissão), mas eu só investiria em algo assim se aceitassem em troca emojis de sorrisinho.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.