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Victor A. Del Vecchio e Lina F. Castro

Como prevenir o tráfico de pessoas, problema que a pandemia potencializou

Prática ganha força com vulnerabilidade social e pobreza, acentuadas pela crise

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Victor A. Del Vecchio

Consultor em direitos humanos, advogado no ProMigra - Programa de Promoção dos Direitos de Migrantes da USP, bacharel e mestrando em direito internacional pela USP

Lina F. Castro

Bacharelanda em relações internacionais, é pesquisadora com bolsa Pibic - CNPq sobre o tema tráfico de pessoas

O 30 de julho marca o Dia Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas, terceira atividade criminosa mais rentável do mundo (atrás apenas do narcotráfico e da falsificação de produtos).

Essa prática ganha forças no contexto de vulnerabilidade social e pobreza, acentuadas pela pandemia, que, muito embora próxima do fim, deve ter impactos econômicos duradouros, abrindo espaço para que o tráfico humano se intensifique, como mostrou o relatório mais recente das Nações Unidas sobre o tema.

Tal cenário pode ser atenuado se soubermos a forma como o tráfico ocorre (desconstruindo o senso comum), como preveni-lo e denunciá-lo.

Todos os anos, homens e mulheres, meninos e meninas de diferentes nacionalidades e contextos são vítimas do tráfico humano, que consiste, basicamente, em transporte, abrigo ou recebimento de pessoas recrutadas por meio de ameaça, coerção, fraude ou abuso de poder e para o propósito de exploração.

Caracteriza grave violação aos direitos humanos e é crime, previsto na legislação internacional e brasileira, podendo ser configurado independentemente de consentimento da vítima.

Se engana quem imagina que tal prática ocorre na atualidade da mesma maneira que séculos atrás, com seres humanos acorrentados, enjaulados, sendo comercializados a céu aberto.

A prática se sofisticou para ser menos evidente e hoje ocorre, sobretudo, por meio de propostas fraudulentas de trabalho, que atraem o indivíduo com promessas de salários e condições laborais em locais, comumente outras regiões ou países, onde ele esteja desvinculado de seus laços sociais e familiares e sem acesso a quem possa lhe socorrer —favorecendo assim sua exploração, que ocorre em geral para fins sexuais (50% dos casos) e para trabalhos forçados (38%).


Um percentual menor responde pela utilização para aliciamento para o tráfico de drogas, recrutamento de soldados (inclusive crianças-soldado) em zonas de conflito, para mendicância forçada, remoção de órgãos, casamentos forçados e venda de bebês (adoção ilegal).

Vale observar que o trabalho análogo à escravidão e outras condições degradantes similares em geral estão relacionadas ao tráfico de pessoas. Justamente porque, como mencionado, para serem submetidas a tais situações, as pessoas devem estar privadas de formas de denúncia e de redes relacionamento às quais possam recorrer —o que torna necessário seu transporte, que, quando agenciado pela rede exploradora, caracteriza o tráfico.

Com o avanço da vacinação e a contenção das taxas de contágio, muitos países já estão próximos do fim da pandemia de Covid-19. Contudo, os impactos econômicos que experimentamos, inclusive a nível global, devem se prolongar.

O mundo viveu a maior recessão desde a Segunda Guerra Mundial, e os países ricos, com maior acesso às vacinas e injeção de estímulos financeiros, largam à frente na corrida pela recuperação.

O cenário de perda de empregos, lenta recuperação econômica e desestruturação produtiva, sobretudo nos países mais pobres, é terreno propício para que pessoas em maior situação de vulnerabilidade busquem desesperadamente formas de gerar renda, aceitando empregos que saltam aos olhos, mas escondem o abismo obscuro da exploração.

Nesse sentido, é fundamental que sejam adotadas algumas medidas para prevenção, que começam pela potencial vítima, que deve sempre desconfiar de propostas deslumbrantes de emprego, sobretudo as que impliquem sua mudança de localidade; deve, ainda, exigir contrato de trabalho e se atentar aos seus termos; buscar informações do grupo ou indivíduo empregador; informar amigos e familiares de onde está indo e manter a comunicação constante.

As medidas se estendem também para quem não é vítima: pensando não só no tráfico de pessoas, mas na dignidade humana, diante de produtos e serviços baratos demais, desconfie! Procure saber sobre sua cadeia produtiva e, se houver indícios ou constatar tráfico de pessoas, denuncie: disque 100, ligue 180, acione a Polícia Civil, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Estadual e federal e, se tratando de criança ou adolescente, os conselhos tutelares.

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