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'Eu sou do centrão'

Embora tardia e efêmera, rendição de Bolsonaro à realidade tem valor pedagógico

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O presidente Jair Bolsonaro deixa o ministério da Defesa após evento - Pedro Ladeira/Folhapress

Em meio ao alarido provocado pela reforma do ministério e por novas investidas contra o processo eleitoral, Jair Bolsonaro exibiu na semana que passou um breve momento de franqueza e sensatez.

“Eu sou do centrão”, disse o presidente à rádio Banda B, de Curitiba, ao responder sobre o bloco partidário que terá presença ampliada em seu governo. “Eu nasci de lá.”

E expôs as razões para a aliança com o grupo parlamentar: “São pouco mais de 200 pessoas. Se você afastar esses partidos de centro, sobram 300 votos para mim. Se você afasta cento e poucos parlamentares de esquerda, PT, PC do B e PSOL, eu vou governar com um quinto da Câmara?”, questionou.

Seria melhor, decerto, que tais considerações tivessem sido oferecidas aos eleitores na campanha de 2018, quando Bolsonaro chamava o centrão de “nata do que há de pior no Brasil”. Ainda assim, a rendição tardia —e, provavelmente, efêmera— à realidade não deixa de ter seu valor pedagógico.

Antes de se apresentar como o candidato a enterrar a “velha política”, o hoje presidente fez longa e medíocre carreira de deputado ciscando entre as múltiplas siglas de escasso conteúdo programático e especializadas em negociar seu apoio ao governo de turno.

Depois de vencer a disputa presidencial a bordo do PSL e romper com a legenda, Bolsonaro fracassou em criar uma nova agremiação sob seu comando. Agora, flerta com o PP, uma das forças mais vistosas do bloco fisiológico, para concorrer a um novo mandato.

A necessidade de comprar apoios com a distribuição de cargos e verbas é característica das mais conhecidas do presidencialismo brasileiro. Trata-se de distorção que não pode ser enfrentada à base de bravatas, mas com reformas que induzam à queda do número de partidos e ao barateamento das coalizões governistas.

Ademais, as alianças tendem a ser menos custosas e mais eficientes quando estabelecidas desde o início do governo e em torno de um programa —exatamente o contrário do que fez Bolsonaro.

O presidente só tratou de buscar sustentação mais sólida em seu segundo ano de mandato, após sucessivas derrotas no Legislativo e sob ameaça de um processo de impeachment por seus arreganhos golpistas. Nessas circunstâncias, o preço a pagar pelos tais 200 votos do centrão se eleva sobremaneira.

Além de postos em ministérios, recursos do Orçamento e escândalos em potencial, a conta inclui, felizmente, o esvaziamento da agenda ideológica bolsonarista. Em troca, o mandatário recebe condições mínimas para permanecer no cargo e tocar algo de sua pauta econômica. Será conveniente explicar isso também aos eleitores em 2022.

editoriais@grupofolha.com.br

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