Descrição de chapéu
O que a Folha pensa

Injustiça irreparável

Revisão de prisão indevida após reportagem não corresponde a um final feliz

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

José Aparecido Alves Filho deixa a Penitenciária Odon Ramos Maranhão, em Iperó (SP) - Bruno Santos/Folhapress

José Aparecido Alves Filho passou os últimos sete anos de sua vida preso por um crime que não cometeu. Revoltante até num país acostumado a injustiças, o caso revelado pela Folha é paradigmático dos descaminhos de um sistema que, não bastasse prender muito e mal, ainda condena inocentes a longos períodos de cárcere.

Essa tragédia de erros e arbitrariedades teve início em 24 de março de 2014, quando José Henrique Vettori, proprietário de um sítio em que Alves Filho trabalhava, foi assassinado no município paulista de Tuiuti, parte da zona rural de Bragança Paulista.

Cerca de dois meses depois, Evandro Matias da Cruz, um dos autores do assassinato, foi localizado e preso. Identificou-se seu tio como o autor do disparo que vitimou Vettori, e a polícia passou a buscar um terceiro criminoso.

Contrariando procedimentos básicos do processo de reconhecimento, os agentes que interrogaram Matias da Cruz não pediram a ele que descrevesse as características físicas do suspeito.

Em vez disso, apresentaram algumas fotografias. Quando viu a de Alves Filho, o interrogado titubeou: afirmou que poderia ser ele, mas não tinha certeza.

Entretanto, apoiado tão somente no depoimento, o delegado pediu a prisão do caseiro. Abusos dessa natureza, lamentavelmente, não são incomuns, como mostrou reportagem recente deste jornal que analisou cem prisões injustas. Quase metade delas havia decorrido de erros de reconhecimento.

O caso, porém, viria a ganhar contornos ainda mais surrealistas. Não só não foram encontradas imagens, testemunhas ou provas de que o trabalhador conhecesse os criminosos ou houvesse se encontrado com eles, como Matias da Cruz negou posteriormente a participação de Alves Filho no crime.

Nada disso foi levado em conta pela Justiça, e o caseiro acabou condenado, em primeira e segunda instância, a 21 anos de prisão. Essa via crucis, felizmente, foi encerrada na sexta-feira (2). Após a publicação da reportagem, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou a condenação e expediu o alvará de soltura de José Aparecido Alves Filho.

Apesar do desfecho favorável ao caseiro, não cabe falar em final feliz nessa história. Para Alves Filho, são irreparáveis os sete anos que passou afastado da família, convivendo com facínoras, nas condições mais degradantes.

Para Judiciário e polícia, o caso constitui um transvio inaceitável, que nega a própria ideia de justiça e compromete sua credibilidade.

editoriais@grupofolha.com.br

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.