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Marcelo Issa e Fabro Steibel

O tsunami eleitoral por trás da CPI da Covid

Feita às escuras, reforma política é risco institucional iminente

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Marcelo Issa

Advogado e mestre em ciência política pela PUC-SP, é diretor-executivo do Transparência Partidária e membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil

Fabro Steibel

Diretor-executivo do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) Rio

Enquanto o Brasil acompanha com atenção a CPI da Covid-19 no Senado, um outro movimento segue a passos largos no Congresso e pode deixar um legado perigoso para o Brasil pós-pandemia: uma reforma político-eleitoral como nunca vista nas últimas décadas, que pode comprometer importantes conquistas democráticas. Trata-se da maior reforma desse tipo desde a Constituinte. Há um risco real de chegarmos em 2022 com um sistema político completamente reformulado, num processo hermético e pouco participativo.

Há reformas legítimas, sempre há. Mas em poucos meses estamos modificando todo o sistema político-eleitoral. Estamos revogando de uma tacada mais de 50 anos de debate legislativo. Distritão, voto facultativo, financiamento privado de campanha, fiscalização dos partidos, cotas para mulheres e negros, tempo de mandato, competência da Justiça Eleitoral. Não há aspecto relacionado a eleições ou ao funcionamento do sistema político que não esteja sendo discutido.

Depois da redemocratização, nunca houve três arenas distintas na Câmara dos Deputados tratando dessas temáticas ao mesmo tempo. São duas comissões especiais analisando mudanças na Constituição, mais um Grupo de Trabalho, instrumento sem controle regimental, sem a presença proporcional dos partidos políticos, com integrantes indicados unilateralmente pelo presidente Artur Lira (PP-AL). A minuta do Novo Código Eleitoral elaborado pelo grupo, com mais de 900 artigos e publicada para análise poucas semanas antes de ir a voto, traz propostas como o esvaziamento da fiscalização das contas dos partidos políticos pela Justiça Eleitoral.

Ajustes pontuais na lei eleitoral são necessários. E nos últimos 30 anos temos até exagerado na dose. A cada eleição temos regras novas, causando também alguma insegurança jurídica. Mas reformas que envolvem a fiscalização de quase R$ 1 bilhão em recursos públicos do Fundo Partidário, ou os critérios de inelegibilidade e cassação de mandatos, por exemplo, não podem ser aprovadas em tão pouco tempo. São pontos que podem colocar a sociedade contra o Poder Legislativo, desvalorizando ainda mais os políticos e os partidos diante da opinião pública.

Por trás da cortina de fumaça do voto impresso, há ainda riscos de retrocessos como o tal distritão. De outro lado, a reforma ainda é tímida em promover a inclusão de grupos sub-representados, que já lotam as ruas em protestos em países vizinhos. Outras mudanças podem comprometer avanços muito recentes, que ainda nem surtiram todos os efeitos, como a cláusula de desempenho e o fim das coligações nos pleitos proporcionais. Quem viu a recente aprovação das mudanças na lei da improbidade, ou a recém-aprovada mudança do regimento da Câmara, já entendeu a direção que podemos tomar.

Há debates legítimos, mas uma macrorreforma em pleno tempo de Covid-19 não cabe em 2021. Com razão, a opinião pública está voltada para outros assuntos. Temos tempo para uma reforma pontual, com mais calma, mais transparência e mais participação. Não é uma tarefa simples, mas disso pode depender o próprio futuro da democracia no Brasil.

Uma macrorreforma com cara de tsunami, feita às escuras, votada em regime de urgência, deve fortalecer o pior do sistema político-partidário. Se o tsunami vier assim, 2022 será um Brasil menos transparente, com mais risco de corrupção, mais impunidade, menos representatividade e menos apreço da sociedade pelo Congresso. O risco institucional é iminente. Quem defende a Constituição defende uma reforma eleitoral mais cautelosa, mais transparente e mais participativa. O inverso disso é uma reforma tsunami, onde tudo muda e todos perdem.

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