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Samuel Friedman e Daniel Palotti Secco

Vamos aguardar condenações internacionais para começar a eliminar a tortura?

Brasil e São Paulo precisam aperfeiçoar investigações, a responsabilização dos agentes e a proteção às vítimas

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Samuel Friedman

Defensor público do Estado de São Paulo

Daniel Palotti Secco

Defensor Público do Estado de São Paulo

No editorial “Casa de torturas”, de 21 de junho, a Folha questiona se o Brasil vai aguardar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos o responsabilize pela falta de investigação de torturas contra internos de uma unidade da Fundação Casa entre 2015 e 2017, a partir de denúncia apresentada pela Defensoria Pública de São Paulo. A pergunta é boa, mas muito tímida.

Sem dúvida o Brasil e São Paulo precisam aperfeiçoar a investigação da tortura, a responsabilização dos agentes e a proteção às vítimas. Seria ingênuo, contudo, imaginarmos que só punições, ainda que não fossem tão raras, bastariam para prevenir a tortura.

As práticas violentas nos espaços de privação de liberdade são tão corriqueiras que podem ser entendidas como uma política, ainda que não declarada, que se sustenta principalmente na impunidade, na invisibilidade, na falta de fiscalização efetiva e na percepção da violência física e psicológica como resposta legítima do Estado.

As muralhas das cadeias também tornam invisível o que acontece do lado de dentro. Isso só é possível a partir da construção social de que muitas vidas e muitos corpos não merecem proteção: “presos são quase todos pretos, ou quase pretos, ou quase brancos, quase pretos de tão pobres”, nas palavras de Caetano Veloso em “Haiti”.

Até hoje não bastou o insuficiente monitoramento dos cárceres pelos órgãos estatais e do sistema de justiça. É imprescindível que a sociedade possa fiscalizar o que lá se faz em seu nome e, assim, ver e ouvir as vítimas cujas dores e cujos sofrimentos são ocultados.

O Brasil é signatário de vários tratados da ONU e da OEA para erradicação da tortura e dos tratamentos desumanos, cruéis e degradantes. De acordo com esses compromissos internacionais, deveríamos implementar um sistema efetivo de prevenção e combate à tortura. Já existe desde 2013 o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que enfrenta graves problemas de financiamento para trabalhar.

É impossível, contudo, que um mecanismo composto por apenas 11 peritos independentes dê conta de fiscalizar os inúmeros espaços de privação de liberdade de adultos e adolescentes em um país continental.

Deveriam existir também os Mecanismos Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura. O Legislativo paulista chegou a aprovar uma lei para a sua criação no final de 2018, depois de mais de quatro anos de tramitação. Infelizmente, o projeto foi vetado pelo governador e a Assembleia Legislativa não derrubou o veto.

Sem um mecanismo independente de monitoramento e fiscalização no Estado de São Paulo, as práticas violentas continuam corriqueiras. Violências impunes e invisíveis são sempre recorrentes.

É urgente prevenir a tortura até que não seja mais necessário punir torturadores. Então acrescentamos a pergunta: São Paulo vai continuar inerte e indiferente às violações sistemáticas de direitos humanos e aguardar as condenações internacionais para só então implementar um robusto e independente Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura?

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