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Edson S. Moraes

A ditadura do algoritmo

Nunca o termo 'escravo do sistema' fez tanto sentido

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Edson S. Moraes

Coach executivo, consultor de estratégia e conselheiro empresarial

Recentemente, durante uma reunião com o time de marketing digital que assessora minha empresa, ouvi a expressão “o algoritmo não ficou feliz com esse post”. Por ser jurássico na área de tecnologia, tendo iniciado há quase 40 anos como programador e concluído a carreira executiva como CIO (diretor de tecnologia da informação), sei muito bem o que é um algoritmo. Desenvolvi vários, mas, até hoje, nunca esperei que algum deles ficasse feliz ou triste com algo que eu declarasse, publicasse ou apresentasse.

Provoquei, perguntando como deixar o sensível algoritmo “feliz”. Ouvi uma sequência de ações para que qualquer informação das redes sociais —veículos essenciais para a divulgação de qualquer trabalho neste mundo contemporâneo— seja publicada para um número significativo de pessoas. Em outras palavras, é necessária uma série de ações para que o algoritmo fique “feliz” e lhe conceda, magnanimamente, um espaço no ambiente no qual é soberano. Melhor ainda se for um vídeo, pois, como vaticinou alguém da equipe, hoje “ninguém lê texto longo”.

Considerando-se que, na política, uma ditadura caracteriza-se por um governo autoritário ou totalitário exercido por uma pessoa ou por um grupo de pessoas que restringem os direitos individuais, não vejo diferença entre a ditadura política e viver num mundo aonde um robô ou uma inteligência artificial interpreta, aprende e provoca contínua e quase naturalmente emoções humanas a partir de um volume monstruoso de informações publicadas a cada segundo. Tudo para gerar um viés cognitivo que influencia aqueles que estão sendo bombardeados pelas informações escolhidas pelo programinha quando se sente feliz. É a ditadura do algoritmo. Por sinal, nunca o termo “escravo do sistema” fez tanto sentido.

No caso das redes sociais, o objetivo do “ditador algoritmo” é apresentar a melhor experiência possível a quem estiver navegando, disponibilizando algum conteúdo que seja agradável à pessoa e bloqueando o que não a agrade, garantindo fidelidade ao aplicativo e a todas as suas variantes. Mas isso vai além de proporcionar uma boa experiência, pois o perfil de consumo também é mapeado, facilitando a oferta de produtos e serviços aderentes aos anseios da pessoa. Enfim, num mundo capitalista, tudo acaba levando o sujeito a querer comprar alguma coisa, preferencialmente de forma impensada e impulsiva. O pior é que isso ocorre tanto para produtos quanto para candidatos em campanhas políticas. O princípio é o mesmo.

Essa ditadura do “soberano algoritmo” chega a ser até mais cruel que a ditadura política, pois é camuflada por imagens agradáveis, frases de incentivo e áudios que tornam o pensamento dos que consomem tudo isso alinhados aos anseios daqueles que criam armadilhas que levam a uma interpretação equivocada do mundo, conduzindo a decisões irracionais que atendam às expectativas do “algoz algoritmo”.

Que triste estar num mundo em que tudo é feito para que se leia, ouça ou veja somente aquilo que queremos ler, ouvir e ver. A ausência do contraditório, da discrepância e do discordante infantiliza qualquer relação e impede que se mantenha a visão sobre o mundo e sobre a vida em evolução contínua. Caso vivesse hoje e estivesse pendurado numa rede social, Raul Seixas não conseguiria ser uma metamorfose ambulante. O algoritmo não permitiria.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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