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Marcel Sanches

A necessária compatibilização de prazos do novo marco do saneamento

É preciso estabelecer um período de transição factível para as adaptações necessárias

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Marcel Sanches

Secretário-geral da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental)

No último dia 31 de maio foi editado o decreto federal que regulamenta o artigo 10-B da lei 11.445/2007, para estabelecer a metodologia de comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços públicos de água e esgoto, com vistas a viabilizar o cumprimento das metas de universalização até 2033.

Trata-se do terceiro decreto regulamentador do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado em julho do ano passado. O referido regulamento impõe métricas de avaliação econômico-financeira dos prestadores de serviços de água e esgoto para comprovação de sua capacidade de realizar investimentos no prazo pretendido, além de uma série de condicionantes para que os contratos vigentes possam ser considerados “regulares”, cujas eventuais adaptações devem ocorrer até 31/03/2022, em linha com o artigo 11-B, §1º, da nova lei.

O decreto prevê a avaliação dos atuais prestadores de serviços em duas etapas: uma primeira, onde será analisado o cumprimento de índices referenciais mínimos dos indicadores econômico-financeiros estabelecidos, atestados por auditor independente; e uma segunda etapa, para aqueles que superarem a primeira, onde será analisada a adequação dos estudos de viabilidade econômico-financeira e do plano de captação de recursos para atender as metas de universalização, que deverão ser elaborados e validados por um certificador independente.

Todo esse processo é muito complexo: deverá ser conduzido diretamente pelos prestadores de serviços e submetido às agências reguladoras responsáveis pela regulação e fiscalização dos respectivos contratos até 31 de dezembro deste ano, requerendo ainda neste prazo o aval dos titulares para eventuais ajustes tarifários, assim como a disponibilização de carta de intenções, ainda que não vinculante, a ser emitida por instituição financeira que indique a viabilidade de crédito para financiamento dos investimentos necessários para universalização dos serviços até 2033.

Sem adentrar nos aspectos jurídicos de legalidade, constitucionalidade, ou mesmo de isonomia da matéria —cuja polêmica já está estabelecida, haja vista o número de ações tramitando no Judiciário sobre o novo marco legal—, cumpre aqui chamar atenção para uma questão de ordem prática: a necessidade de compatibilização de prazos para operacionalizar o que se pretende com a nova legislação, visando garantir que não sejam interrompidos os serviços e os investimentos nos contratos vigentes.

A nova lei atribuiu à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) a competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços, merecendo especial destaque as normas para a regulação tarifária e de padronização e conteúdo mínimo a serem observados nos contratos, que deverão contemplar metas de qualidade, eficiência e ampliação da cobertura dos serviços, além da especificação da matriz de riscos e dos mecanismos de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, bem como a definição de metodologia para indenização de ativos não amortizados em caso de transferência de serviços de um prestador para outro.

Sob o aspecto regulatório, as normas de referência da ANA —que ainda não existem— constituem-se em atividades predecessoras à adaptação dos contratos, pois delas decorrerão as condições para consolidação dos ajustes necessários preconizados.

Por sua vez, a Agenda Regulatória da ANA, aprovada por sua Diretoria Colegiada (resolução nº 64/2021), estabeleceu a ordem cronológica para elaboração das normas de referência, com prazo de conclusão até o final de 2022. Tendo em vista a influência que as futuras normas da ANA terão sobre o tema, é imperioso que os prazos da legislação sejam exequíveis e compatibilizados, visando estabelecer um período de transição factível para adaptações em direção ao modelo trazido pela nova legislação.

Todos sabemos que a prestação de serviços públicos de saneamento básico não pode sofrer solução de continuidade, requerendo um ambiente de segurança jurídica não só para atrair novos players ao setor, mas também para cumprimento dos contratos vigentes com garantia de recuperação dos investimentos já realizados e aqueles já contratados.

Exigir, portanto, a adaptação dos contratos vigentes até 31 de março de 2022 sem as normas de referência da ANA não nos parece factível e constitui-se em um desafio à segurança jurídica do setor. Neste contexto, já ocorrem discussões no Congresso Nacional para corrigir esta incompatibilidade de prazos, visando garantir que os objetivos da universalização dos serviços sejam alcançados. Que o bom senso e o diálogo prevaleçam, em benefício real da população brasileira.

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