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Grégore Moreira de Moura

Álibis e violência contra a mulher

Lei penal sem a correspondente análise criminológica e de política pública é verborragia inábil

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Grégore Moreira de Moura

Procurador federal da AGU (Advocacia-Geral da União), é mestre em ciências penais e doutor em direito constitucional (UFMG); professor da PUC-MG e autor de "Curso de Direito Penal Informático" (ed. D’Plácido)

O Brasil tem passado por uma série de alterações legislativas no intuito de oferecer uma maior proteção da mulher contra a violência que permeia os números de casos no país.

Segundo informação do portal G1, registraram-se 105.821 “denúncias” em 2020, sendo que 72% são referentes à violência contra a mulher e 28% à violação de direitos. Os dados falam por si e clamam uma maior proteção para a mulher, ecoando nas vozes que vêm da rua, as quais reverberam no Legislativo.

Com base nesse viés protetivo, o legislador editou as leis 14.188/2021 e 14.162/2021. A primeira tipifica o crime de violência psicológica contra a mulher. Já a segunda, criminaliza a violência política contra elas.

A questão é: o problema será resolvido com a edição dessas leis? A análise não é somente legislativa e perpassa por questões sociais, econômicas, criminológicas e, principalmente, pelo combate ao machismo estrutural.

Por óbvio que leis como a Maria da Penha podem ter tido algum resultado na mudança de comportamento de alguns criminosos, mas será que ela é efetiva e eficaz?

Efetividade da lei é quando a norma jurídica é imposta para todos indistintamente; já a eficácia é o cumprimento de sua função social. Portanto, lei que se preze tem que ser observada, cumprida e atingir seus objetivos.

A resposta ao questionamento é, por consequência, negativa. No Brasil, as leis de proteção à mulher estão longe de serem efetivas e eficazes, sendo que basta olhar as estatísticas criminais para comprovar nossa assertiva.

E por que é assim? Porque a legislação é álibi e o problema é multifacetado. Legislação álibi é um termo cunhado por Marcelo Neves que demonstra o uso da legislação sem finalidades normativas e jurídicas, uma vez que feita para atender meramente a interesses políticos e simbólicos.

Portanto, o direito penal de proteção à mulher é simbólico, já que não passa de um discurso oficial e político sem efeito prático e protetivo, sendo que as duas novas leis citadas anteriormente parecem ser mais dois exemplos desse simbolismo que visa simplesmente acalmar a opinião pública com a ilusória “satisfação” de que algo foi feito.

Multifacetado porque o problema da violência contra a mulher não se resolve com mais violência penal. Sim, a aplicação de pena é uma violência institucionalizada e justificada pela relativização dos direitos do homem frente ao Estado, que é detentor do poder de punir.

Ocorre que lei penal pura e simples não gera prevenção primária, secundária ou terciária se não for acompanhada de meios de fiscalização com recursos orçamentários, técnicos e capazes para sua efetiva observância e aplicação prática. Não adianta ter direitos e não ter capacidade de exercê-los. As medidas protetivas funcionam? Evitam feminicídios?

Enfim, lei penal sem a correspondente análise criminológica e de política pública é verborragia inábil. Imagine a dificuldade em se provar o que é dano emocional na dicção do novel art. 147-B do Código Penal? Ou provar “a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo” do art. 326-B do Código Eleitoral?

A violência contra a mulher não deve ser combatida só por lei penal, deve vir acoplada a outros elementos como prevenção, educação para a cidadania, políticas públicas de resultado, cumprimento e fiscalização de medidas protetivas e alterações paulatinas para combater o machismo estrutural, dentre outras ações e estratégias.

A criminologia feminista pode e deve ser invocada aqui, pois quer a mulher como detentora de uma realidade própria e não um sexo “frágil”. Além disso, busca uma realidade autônoma pelo estudo sério e combativo da criminalidade de gênero, pregando um giro metodológico da criminologia masculina, da legislação feita por homens e da imposição machista que parte de um pressuposto completamente míope do vitimismo e do coitadismo da mulher.

Elas precisam é de protagonismo, e não de álibis; e mais: precisam ser ouvidas nesses diversos processos de criminalização primária e secundária, já que ninguém melhor que elas para definirem soluções, uma vez que sofrem na pele seus efeitos.

Como diria Chelly Herreira sobre a mulher: “Ela é a luz que confunde as trevas, ela simplesmente é ela”. Só elas para nos tirarem das trevas do simbolismo penal.

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