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Jucimeri Isolda Silveira

Auxílio Brasil: nova roupagem, velhas práticas

Demagógico, programa enfraquece políticas sociais

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Jucimeri Isolda Silveira

Professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas (PPGDH) e do curso de Serviço Social da PUC-PR

No dia 9 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro entregou ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a medida provisória 1.061/21, que modifica o programa Bolsa Família. Ocorre que as alterações impostas sem qualquer diálogo nas instâncias das políticas envolvidas prometem um enfraquecimento das políticas sociais, descaracterizando um programa já amplamente avaliado, além de resgatar a velha fórmula da meritocracia e da demagogia.

A MP cria uma “cesta” de auxílios que mascaram a ausência de recursos para a necessária instituição de um programa amplo de renda básica, com a adoção de estratégias de priorização da população mais vulnerável em resposta às demandas sociais agravadas pela pandemia de Covid-19. A real ampliação demandaria uma decisão voltada à imediata ampliação da cobertura, pelo menos nos patamares atingidos com o auxílio emergencial, considerando a situação de profunda precarização das condições da população trabalhadora.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL, à dir.), recebe de Jair Bolsonaro a medida provisória que cria o Auxílio Brasil - Marcos Corrêa/PR

Os auxílios e bônus, justificados como formas emancipatórias das famílias e jovens, ocultam a imposição de uma concepção retrógrada, preconceituosa e descontextualizada de política social. Segunda tal concepção, a população beneficiária se “acomoda”, cabendo ao governo um “empurrão” com a criação das chamadas “portas de saída”.

Além das alterações conceituais, da “compra” de vagas para as creches, da instituição de auxílios vinculados ao mérito e ao esforço individual de jovens, ficou definido, por meio de outra MP (nº 1.045/21), a instituição do Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.

Tal programa propõe que o jovem se submeta a uma condição de indignidade, pois estabelece uma nova modalidade de trabalho que afronta a legislação e os direitos da juventude, desprotegida pelo Estado. Nessa modalidade, o jovem não tem nenhum tipo de vínculo empregatício e não recebe salário, mas um “bônus de inclusão produtiva” e uma “bolsa de incentivo à qualificação”, remunerados pelo empregador. O gozo de férias é trocado por um recesso parcialmente remunerado, o vale-transporte não será pago integralmente e não há recolhimento previdenciário.

O governo federal optou por um caminho que desmonta os sistemas públicos; dificulta a operacionalização de um programa de transferência de renda, embutindo políticas que se submetem aos auxílios pontuais; e não garante sustentabilidade financeira ao prever sua implantação residual por meio dos recursos de pagamento de precatórios e privatizações, dando sequência a uma agenda ultraneoliberal que se mostrou falida na pandemia.

Por tudo isso, o programa tende ao fracasso, já que busca o caminho da precarização das condições de trabalho e do endividamento das famílias. A pandemia fez com que 13% dos trabalhadores ocupados no primeiro trimestre de 2020 se vissem sem ocupação no segundo trimestre, sendo que os mais afetados foram, justamente, os mais vulneráveis.

Importante observar que 31% dos trabalhadores domésticos perderam sua ocupação, assim como 23% dos empregados do setor privado sem carteira assinada. Negros perderam a ocupação em proporções superiores aos brancos: 15% ante 10%. As mulheres também foram mais impactadas pela crise: 15% perderam seu trabalho versus 11% dos homens.

Acessar renda nesse contexto de choque e emergência significa, inclusive, mitigar os efeitos da crise. Emprego não é uma questão de esforço e de mérito individual. Transferência de renda não se constitui em benesse do governo. Não há espaço para demagogia e ilusões. É necessário restabelecer a capacidade institucional de responder às crises, o que demanda a inversão de prioridades e garantia de um padrão universal, público, distributivo e democrático de proteção social, com reformas e políticas que efetivamente coloquem a vida e a dignidade acima de tudo.

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