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Bruno Silva Augusto

Condomínios podem exigir passaporte da vacina para o uso de áreas comuns? NÃO

Não cabe ao síndico aplicar tal restrição ao pleno uso da propriedade particular

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Bruno Silva Augusto

Advogado, é especialista em direito civil e processual civil; membro da J. Reuben Clark Law Society e sócio de Magnago & Augusto Advogados Associados

Quantos de nós imaginam o síndico do condomínio onde moramos tomar alguma decisão estritamente pessoal relacionada à saúde em nossa vida? Acredito que esse não seja o desejo da maioria das pessoas —talvez de ninguém.

Pois bem, é o que está sendo ventilado quando se autoriza o síndico ou o conselho de moradores de um condomínio a impedir que as pessoas não vacinadas frequentem as áreas comuns. Em outras palavras, pode o síndico obrigar os moradores de um condomínio a se vacinarem contra a Covid-19 para terem o direito de usufruir desses espaços?

É de bom alvitre enfatizar que este artigo não entra no mérito da importância e essencialidade da vacina contra a Covid-19 no enfrentamento da pandemia, haja vista que é matéria já espancada e definitivamente resolvida. O que se busca é refletir sobre os perigos que envolvem essa decisão, atribuindo “superpoderes” a um síndico, relativo ao pleno uso da propriedade particular sob condição de ingerência nas liberdades individuais de um condômino.

Àqueles que levantam o argumento de que o Supremo Tribunal Federal autorizou a compulsoriedade na vacinação, é imperioso esclarecer que a decisão destilou que não se pode suprimir os direitos fundamentais inerentes à liberdade individual; ou seja, à faculdade do indivíduo optar por não ser vacinado.

Ademais, ainda que a decisão aborde a implementação de medidas indiretas de restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, a fim de impulsionar a vacinação, tal prerrogativa, salvo melhor juízo, se limita à administração pública direta, não cabendo a um particular, como um síndico, aplicar medidas restritivas em relação aos direitos de propriedade daqueles que optarem por não se vacinar.

A concessão de tamanha autoridade à pessoa do síndico, fora de um contexto de restrição dos direitos fundamentais, pode gerar atitudes discriminatórias, haja vista a polarização política que vivemos e os vários médicos formados nos “bancos escolares das redes sociais”.

Entendemos que a finalidade da medida é positiva, uma vez que busca evitar contaminações. Mas o método em si é juridicamente inapropriado e abre um precedente perigoso, já que restringe o direito de ir e vir do particular, que, por lei, tem direitos em relação à propriedade privada. A possibilidade de tamanha ingerência da administração do condomínio na vida privada do condômino se torna ainda mais inviável à medida que o próprio poder público ainda não foi capaz de oportunizar a vacinação de toda a população.

As medidas restritivas, como a utilização de máscara e álcool em gel, são compreensíveis e acessíveis. Entretanto restringir o uso de áreas comuns somente àqueles que foram vacinados acaba por ceifar as liberdades individuais, inclusive daqueles que sequer tiveram a oportunidade de fazê-lo.

Caso fosse aberto o leque desse precedente questionável, poderia o síndico exigir todos os imunizantes do calendário de vacinação nacional, sob o fundamento da saúde coletiva? Delicado.

Imaginem o seguinte cenário: uma família decide desfrutar das instalações da piscina do condomínio no sábado à tarde. Ocorre que, dos quatro integrantes da família, a dois ainda não foi oportunizada a vacina devido ao calendário de vacinação local. Essa família não poderá desfrutar do direito de utilizar a piscina para o lazer. Isso é correto? Certamente não.

A lei (Código Civil) estabelece especificamente que não poderá nenhuma unidade imobiliária (condômino) ser impossibilitada de utilizar o local comum.

Dito tudo isso, certo estava o ministro aposentado Marco Aurélio Mello: “Vivemos tempos estranhos”.

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