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Julio Brotto e Pedro Gallotti

Condomínios podem exigir passaporte da vacina para o uso de áreas comuns? SIM

Direito à saúde dos proprietários se sobrepõe aos direitos de propriedade

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Julio Brotto e Pedro Gallotti

Advogados e sócios de Dotti Advogados, são, respectivamente, especialista em advocacia cível e mestre em direito do Estado

A pandemia de Covid-19 apresentou à sociedade conceitos até então desconhecidos. Cepas, variantes e mutações passaram a integrar o vocabulário cotidiano, ao lado das famigeradas bandeiras —vermelha, laranja, amarela—, que impõem variados graus de restrições conforme se alteram os boletins de mortes e internamentos hospitalares.

Essa triste e excepcional situação demandou mudanças em empresas, nas relações familiares e até em condomínios residenciais, de modo a atender às exigências sanitárias e a assegurar um menor risco e nível de exposição ao novo coronavírus.

Dessas mudanças forçadas surgem indagações importantes para o direito. Uma delas: nesse cenário de excepcionalidade, é legítimo criar restrições ou condicionantes para o exercício de direitos, dentre eles o da liberdade de ir e vir e alguns inerentes à propriedade? Em um condomínio é possível condicionar o uso de áreas comuns à comprovação da vacinação pelo proprietário?

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a vacinação em massa dos brasileiros é medida preventiva de saúde pública e a obrigatoriedade disposta na legislação não pode resultar em medidas coativas sem o consentimento das pessoas, tendo em vista a integridade do corpo humano garantida pela Constituição. Ou seja, a vacinação forçada é inconstitucional, mas não o são as medidas indiretas de restrição ao exercício de frequência em determinados lugares, tal como ocorre com a edição das bandeiras. Nesse sentido, se os direitos fundamentais não são absolutos, não é diferente quanto à exigência de vacinação para frequentar as áreas comuns de um condomínio.

As áreas comuns de um condomínio, sejam eles verticais ou horizontais, são compostas pela soma das frações ideais de cada proprietário das unidades individuais, casas ou apartamentos. Assim, o salão de festas, a quadra de esportes ou o playground pertencem a todos os condôminos —embora impossível a individualização da fração de propriedade de cada um. E, como proprietários que são, em princípio não se poderia lhes opor qualquer restrição a um dos efeitos que decorrem do direito de propriedade: o de uso e gozo da coisa comum.

Mas o direito individual deve ser conjugado com o interesse da coletividade, e em caso de eventual conflito entre eles, prevalece o da maioria. Daí a se sustentar a soberania da convenção de condôminos, como demonstra o magistério clássico de Caio Mário no seu “Instituições de direito civil”: “A Convenção de Condomínio, como direito estatutário da comunidade (Gurvitch) ou direito corporativo (Planiol, Ripert et Boulanger), contém precipuamente as disposições que condizem com o particular interesse dos condôminos, que têm liberdade de estipular o que melhor lhes convenha, desde que não transponha as disposições imperativas ou proibitivas da lei”.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, por maioria dos votos dos ministros integrantes da 4ª Turma, entendeu que os proprietários de unidades não podem submetê-las à locação por plataformas digitais, senão mediante expressa previsão da convenção condominial. Trata-se de claro exemplo da prevalência do interesse da coletividade sobre o do proprietário, prevenindo-se a grande e variada circulação de pessoas em áreas comuns.

Portanto, no embate entre condôminos vacinados e não vacinados, o que se vê é o confronto entre os direitos de propriedade e o direito à saúde da coletividade de proprietários. A solução não é simples, mas pode e deve ser necessariamente ponderada e votada soberanamente pela assembleia condominial.

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