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Júlio Cesar Rodrigues

Disse que lia a Folha e arrumei emprego em jornal aos 17 anos

Hoje aplico as regras de ouro do Manual da Redação nas petições ao Judiciário

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Júlio Cesar Rodrigues

Advogado empresarial, cronista e leitor da Folha há mais de 30 anos

A casa do meu pai, em Arapongas (PR), fica no caminho da minha. Normalmente passo por lá à noitinha, depois do trabalho, para conversarmos. Mas também para ler a Folha. Confesso: aproprio-me da condição dele de assinante, sem pagar por outra assinatura —não por avareza, asseguro, mas pelo prazer de comentarmos juntos os melhores textos do dia. Sou um “subassinante”.

“Não perca o Ruy Castro”, ele recomenda costumeiramente, talvez por se identificar com o cronista que, como ele, nunca usou um celular. “Hoje o Zé Simão está demais”, diz sempre. Não é raro eu levar o jornal para casa e encontrar anotações do meu pai. “Esse cara nunca prestou”, assinalou certa vez, com um “x” ao lado de uma entrevista com um conhecido político brasileiro.

Nossa ligação com a Folha é antiga. Quando passei no vestibular para direito, há mais de 30 anos, me mudei para Maringá (PR) e fui procurar emprego. Queria trabalhar num jornal, pois o jornalismo era a minha paixão e o direito, à época, uma recomendação paterna.

Com a pequena experiência de aprendiz de redator na Revista da Cidade, editada em Arapongas e fundada por Dionysio Neto (meu pai) e Paulo Gomes em 1964, cheguei em Maringá aos 17 anos pensando que já era gente e querendo trabalhar simplesmente no maior jornal local, o recentemente extinto O Diário do Norte do Paraná.

Com a entrevista de emprego marcada, passei numa banca, comprei a edição do dia da Folha, coloquei-a debaixo do braço —para parecer intelectual— e fui falar com o editor-chefe de “O Diário”.
Ângelo Rigon, o editor, olhou para este pequeno e então jovem cidadão, careca pelo trote do vestibular, e não deu a menor bola. Pediu para esperar. E esperei por horas.

Quando resolveu me atender, já no momento crítico do fechamento do jornal, Rigon apenas perguntou o que eu costumava ler. Respondi: Clóvis Rossi, Gilberto Dimenstein e Carlos Heitor Cony, os articulistas que normalmente figuravam na página 2 da Folha. Não precisei argumentar mais nada. “Você começa amanhã”, disse ele.

Eu não tinha diploma na área e precisava aprender a escrever na marra. Buscava inspiração diariamente nos textos da Folha, onde tentava decifrar o que era um lide e como se chegava a um bom título. Fui reproduzindo a técnica no meu modesto dia a dia de repórter do interior.

Para suprir a deficiência teórica, comprei e devorei o Manual da Redação da Folha e não perdia os editoriais sempre finos e precisos de Otavio Frias Filho nem os comentários críticos do ombudsman aos domingos. Fiz a minha “faculdade” de jornalismo lendo a Folha e praticando-a na rua e nas demais redações por onde atuei.

O tempo, em sua marcha inexorável, passou. A Folha completou 100 anos, e a Revista da Cidade, onde tudo começou para mim, vai comemorar seus 57 agora em 31 de agosto —uma marca inédita para uma publicação mensal do interior do Brasil, a merecer o registro até mesmo pela grande Folha.

Seguindo o conselho paterno, deixei o jornalismo e tornei-me advogado, também apaixonado pelo ofício, mas continuo aplicando as regras de ouro do Manual da Redação até nas petições ao Judiciário.

Quando saio do escritório muito tarde, o cansaço me faz ligar ao meu pai apenas para dizer que irei direto para casa. “Vou deixar a Folha no portão”, ele responde, assegurando-se que eu passe por lá e não perca nada do jornal que ajudou a me formar para a vida.

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