Cidades brasileiras têm adotado medidas contra os chamados “sommeliers de vacina” —quem escolhe ou rejeita imunizantes de laboratórios específicos. Tais ações podem ser um tiro no pé. Ajudá-los pode ser melhor do que puni-los.
O castigo mais comum é o envio ao fim da fila: a pessoa que se recusa a receber a vacina oferecida no posto precisa aguardar semanas ou meses até ter uma nova oportunidade de se vacinar —e nada garante que ela conseguirá o imunizante desejado.
A ideia é incentivar a população a aceitar a vacina disponível, independentemente da marca. Espera-se que as pessoas prefiram isso a continuar sem vacina por mais tempo.
Mas essas medidas parecem menosprezar o impacto dos que preferem a punição: os sommeliers mais convictos, com forte preferência ou rejeição à vacina de um determinado laboratório. Ao irem para o fim da fila, eles prejudicam não apenas a si próprios, mas toda a sociedade, que fica com um número maior de pessoas não vacinadas por um período mais longo. E isso já tem ocorrido em algumas cidades.
Em comparação, os sommeliers em lugares sem punição buscam incessantemente a marca desejada e logo se vacinam —se não no mesmo dia, provavelmente na mesma semana. Sim, até encontrar o imunizante, eles podem atrapalhar —ocupam lugar em filas, tomam o tempo de profissionais nos postos etc.—, mas menos do que os punidos com o fim da fila, que circulam sem vacina por muito mais tempo.
Se a prioridade é vacinar o maior número de pessoas no período mais curto possível, as medidas contra os sommeliers não ajudam: pelo contrário, podem ser danosas para a sociedade. Políticas de saúde não devem ser guiadas por populismo punitivista (que há tempos faz um grande estrago na segurança pública).
O que fazer, então? Talvez o melhor seja simplesmente nada. Afinal, não há evidência de que esse grupo esteja, de fato, causando grandes estragos. Outra ideia, mais controversa, é ajudar os sommeliers. Se a sociedade se prejudica ao puni-los, talvez se beneficie ao ajudá-los.
As prefeituras poderiam, por exemplo, divulgar (em sites, cartazes etc.) as vacinas disponíveis em cada posto, tornando públicas informações que já circulam em sites e grupos de WhatsApp e Telegram (a Prefeitura de São Paulo pretende fazer isso para a segunda dose; poderia fazer também para a primeira). Com isso, os sommeliers deixariam de atrapalhar e tomariam logo a vacina, e teríamos mais vacinados em menos tempo.
Quem tem um motivo mais “legítimo” para escolher uma vacina específica —gravidez, amamentação, condições médicas, viagens importantes— poderia achá-la com facilidade e não passaria pelo constrangimento de ver sua necessidade confundida com reles capricho. E quem não tem preferência por marca alguma poderia se beneficiar de filas menores em postos preteridos pelos sommeliers.
Claro, nem tudo são flores. Essa ideia aumenta a complexidade do sistema e também pode dar errado.
Ela poderia transmitir a equivocada mensagem de que não há problema em escolher, estimulando pessoas sem forte preferência, normalmente indiferentes à marca da vacina, a virarem sommeliers.
Postos com as vacinas mais procuradas poderiam ter filas muito longas. E um possível acúmulo das menos desejadas poderia levar ao vencimento de doses.
Por outro lado, é possível que o aumento no número de sommeliers seja mínimo, que um sistema de senhas ou agendamento amenize filas mais longas e que os imunizantes não cheguem a vencer (a oferta é insuficiente).
Aparentemente, não temos dados suficientes para saber se essa ideia daria certo. Experimentá-la por um tempo pode gerar alguma evidência a nortear o melhor caminho a seguir.
Quem defende a vacinação diz que, geralmente, é melhor prevenir do que remediar. Ajudar os sommeliers pode prevenir a sociedade dos males causados por eles.
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