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Emerson Kimura

E se ajudarmos os 'sommeliers de vacina'?

Puni-los com o fim da fila pode acabar prejudicando, também, a sociedade

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Emerson Kimura

Jornalista

Cidades brasileiras têm adotado medidas contra os chamados “sommeliers de vacina” —quem escolhe ou rejeita imunizantes de laboratórios específicos. Tais ações podem ser um tiro no pé. Ajudá-los pode ser melhor do que puni-los.

O castigo mais comum é o envio ao fim da fila: a pessoa que se recusa a receber a vacina oferecida no posto precisa aguardar semanas ou meses até ter uma nova oportunidade de se vacinar —e nada garante que ela conseguirá o imunizante desejado.

A ideia é incentivar a população a aceitar a vacina disponível, independentemente da marca. Espera-se que as pessoas prefiram isso a continuar sem vacina por mais tempo.

Mas essas medidas parecem menosprezar o impacto dos que preferem a punição: os sommeliers mais convictos, com forte preferência ou rejeição à vacina de um determinado laboratório. Ao irem para o fim da fila, eles prejudicam não apenas a si próprios, mas toda a sociedade, que fica com um número maior de pessoas não vacinadas por um período mais longo. E isso já tem ocorrido em algumas cidades.

Em comparação, os sommeliers em lugares sem punição buscam incessantemente a marca desejada e logo se vacinam —se não no mesmo dia, provavelmente na mesma semana. Sim, até encontrar o imunizante, eles podem atrapalhar —ocupam lugar em filas, tomam o tempo de profissionais nos postos etc.—, mas menos do que os punidos com o fim da fila, que circulam sem vacina por muito mais tempo.

Se a prioridade é vacinar o maior número de pessoas no período mais curto possível, as medidas contra os sommeliers não ajudam: pelo contrário, podem ser danosas para a sociedade. Políticas de saúde não devem ser guiadas por populismo punitivista (que há tempos faz um grande estrago na segurança pública).

O que fazer, então? Talvez o melhor seja simplesmente nada. Afinal, não há evidência de que esse grupo esteja, de fato, causando grandes estragos. Outra ideia, mais controversa, é ajudar os sommeliers. Se a sociedade se prejudica ao puni-los, talvez se beneficie ao ajudá-los.

Ana Bárbara Marcelina Macedo, 49, buscava pela vacina da Pfizer, mas, por ser uma profissional da beleza, tomaria a Coronavac caso não conseguisse a sua preferência no mesmo dia - Karime Xavier - 24.jun.21/Folhapress

As prefeituras poderiam, por exemplo, divulgar (em sites, cartazes etc.) as vacinas disponíveis em cada posto, tornando públicas informações que já circulam em sites e grupos de WhatsApp e Telegram (a Prefeitura de São Paulo pretende fazer isso para a segunda dose; poderia fazer também para a primeira). Com isso, os sommeliers deixariam de atrapalhar e tomariam logo a vacina, e teríamos mais vacinados em menos tempo.

Quem tem um motivo mais “legítimo” para escolher uma vacina específica —gravidez, amamentação, condições médicas, viagens importantes— poderia achá-la com facilidade e não passaria pelo constrangimento de ver sua necessidade confundida com reles capricho. E quem não tem preferência por marca alguma poderia se beneficiar de filas menores em postos preteridos pelos sommeliers.

Claro, nem tudo são flores. Essa ideia aumenta a complexidade do sistema e também pode dar errado.
Ela poderia transmitir a equivocada mensagem de que não há problema em escolher, estimulando pessoas sem forte preferência, normalmente indiferentes à marca da vacina, a virarem sommeliers.

Postos com as vacinas mais procuradas poderiam ter filas muito longas. E um possível acúmulo das menos desejadas poderia levar ao vencimento de doses.

Por outro lado, é possível que o aumento no número de sommeliers seja mínimo, que um sistema de senhas ou agendamento amenize filas mais longas e que os imunizantes não cheguem a vencer (a oferta é insuficiente).

Aparentemente, não temos dados suficientes para saber se essa ideia daria certo. Experimentá-la por um tempo pode gerar alguma evidência a nortear o melhor caminho a seguir.

Quem defende a vacinação diz que, geralmente, é melhor prevenir do que remediar. Ajudar os sommeliers pode prevenir a sociedade dos males causados por eles.

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