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Luiz Davidovich e Helena Nader

Se o CNPq morrer, morre junto a ciência brasileira

Falha na plataforma Lattes simboliza estancamento de verbas para o setor

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Luiz Davidovich

Físico e professor da UFRJ, é presidente da Academia Brasileira de Ciências

Helena Nader

Biomédica e professora da Unifesp, é vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências

mais de dez dias a ciência brasileira está na escuridão. Uma falha em um pequeno dispositivo tirou do ar a plataforma Lattes, o grande reservatório de currículos acadêmicos do país e referência mundial de armazenamento de dados de pesquisadores. O sistema continuava funcionando parcialmente até esta quarta-feira (4).

A despeito de problemas técnicos já identificados pelo próprio CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a falha foi também um símbolo do estancamento de verbas para o setor e, mais ainda, um alerta do que pode vir pela frente: se o CNPq morrer, morre junto a ciência brasileira.

A principal agência de financiamento científico do Brasil não tem mais dinheiro para bancar a produção científica nacional. E tudo isso em um momento em que a sociedade mais precisa desse conhecimento. Poucas vezes na nossa história recente a ciência foi tão urgente. E poucas vezes seu orçamento esteve tão baixo: é o menor nas duas últimas décadas. De R$ 3,1 bilhões em 2013, atualmente é de R$ 1,2 bilhão. O efeito disso é devastador.

Ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, o CNPq é a maior entidade pública de incentivo à pesquisa do país, porque responde pela maioria dos financiamentos a pesquisas de graduação e pós-graduação. O conselho distribui cerca de 80 mil bolsas de investigação científica e mantém, entre outros produtos, a plataforma Lattes, que reúne centenas de milhares de currículos de pesquisadores de todas as áreas do Brasil. É consultada em todos os cantos do país e fora dele. É por meio desta plataforma que avaliadores analisam a trajetória de um pesquisador para, por exemplo, conceder a ele, ou não, uma bolsa de estudos. Hoje, qualquer acadêmico que escreva um projeto —ou que vá julgá-lo— tem de necessariamente passar por lá. Todas as informações sobre pesquisadores estão reunidas neste modelo, que a revista científica Nature já citou como referência em armazenamento de dados acadêmicos no mundo.

É através do CNPq que são desenvolvidos projetos de investigação como os do Brasil em sua base na Antártica (Proantar), Pesquisa Ecológica de Longa Duração (Peld), além de outros essenciais, como programa institucional de iniciação científica (Pibic), programa de apoio a núcleos de excelência (Pronex), e os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), que responderam a crises recentes importantes, como a pesquisa para vacinas e o sequenciamento do novo coronavírus e o derramamento de óleo no Nordeste, em 2019.

O CNPq cuida da ciência; a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), da formação; e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), da inovação. Juntos, eles levaram o Brasil ao patamar de qualidade atual. Sem essa tríade, portanto, a ciência no país não anda.

No mundo inteiro, a inovação tecnológica vem acompanhada de incentivos públicos. Foi assim, por exemplo, com as pesquisas para a criação das vacinas contra o novo coronavírus, que hoje salvam milhões de vidas. Os Estados Unidos recentemente aprovaram uma verba extra de cerca de R$ 1 trilhão para a ciência e tecnologia do país.

No Brasil, os recursos, muito menores, seguem parados no governo e, da forma como vão as coisas, correm o risco de nem sequer serem utilizados caso sejam liberados ao final de 2021. Sem isso, sistemas informáticos sem manutenção continuarão a sair do ar, e a brilhante ciência brasileira seguirá na escuridão.

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