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Alan Bousso

A liberdade como regra

Anacrônica, pauta da condenação em segunda instância volta ao debate

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Alan Bousso

Especialista em direito processual civil e sócio de Cyrillo & Bousso

Volta novamente à discussão pública a proposta de condenação em segunda instância, desta vez com alteração no Código de Processo Penal (CPP), em texto apresentado na Câmara pelo deputado João Campos (Republicanos-GO). Pela proposta, seria suprimido o trecho do artigo 283 do CPP que prevê que ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado do processo —ou seja, até que estejam esgotados todos os recursos legalmente previstos.

Antes de mais nada, ressalte-se a importância dos debates que envolvem a reforma de nosso anacrônico Código de Processo Penal, de caráter inquisitório. Praticamente todos os países das Américas se empenharam nas últimas décadas em compatibilizar seus sistemas processuais penais com os princípios da democracia.

A proposta específica de alterar o artigo 283 do CPP, contudo, não é salutar para a sociedade. Tanto pelo teor em si, principal crítica a ser feita à proposição, quanto pela recorrência de seu debate, que nos faz andar círculos, voltando sempre às mesmas questões, com os dispêndios que tais repetições geram.

Discussões, por óbvio, são saudáveis e estão no cerne da democracia. Mas precisam guardar respeito a todos os princípios da boa administração pública. Para além de morais, legais, impessoais e amplamente divulgadas, devem atender ao critério da eficiência. Não é o que se vê com a reincidência dos questionamentos acerca do tema.

Mas voltemos ao âmago da questão. A presunção de inocência e a ampla defesa, garantindo que a prisão de um condenado só ocorra após o trânsito em julgado da sentença, são pilares fixados no nosso ordenamento jurídico pela Constituição Federal. São relevantes garantias para todos os cidadãos. Relativizar tais princípios é fragilizar a segurança jurídica e restringir a liberdade assegurada aos brasileiros.

Lembremos que o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou, em 2009, o entendimento de que a regra constitucional exigia o trânsito em julgado para a execução de pena. Depois, em 2011, o Congresso aprovou o artigo 283 do CPP. A mudança de entendimento por parte do STF, em 2016, jogou por terra a discussão travada até então. Por isso, a OAB propôs, em maio de 2016, a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) 44, sustentando que a presunção de inocência é cláusula pétrea na Constituição. Só em novembro de 2019, a ADC 44 e suas correlatas (ADCs 43 e 54) foram a julgamento.

Em vitória apertada, por 6 a 5, os ministros decidiram que a pena não deve ser executada após a sentença condenatória confirmada em segunda instância. Ou seja, decidiram que a pena não pode ser antecipada.

Como se vê, o tema já foi amplamente discutido. O momento em que vivemos —marcado pela crise econômico-sanitária— pede sensatez, empenho em garantir segurança jurídica e respeito àquilo que está consagrado na Constituição e ratificado pela instância máxima da Justiça. Que a reforma do CPP prossiga com todos os direitos e garantias basilares coerentemente protegidos e que a liberdade seja a regra até o trânsito em julgado.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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