Em março de 2020, enquanto empacotava computadores, cadeiras e equipamentos para o home office na quarentena, um grupo significativo de empresas estava cruzando um Rubicão não físico, mas cultural. Se até ali o trabalho exclusivamente presencial era a norma, agora ele parece ser uma peça de museu: em pesquisa que realizamos com líderes de recursos humanos de 520 empresas da América Latina, 66% das companhias disseram que trabalhavam apenas presencialmente antes da pandemia. Hoje, esse número caiu para meros 5%, enquanto 64% se definem como "essencialmente remotas".
Além disso, somente um terço das companhias tem funcionários no escritório ao menos uma vez por semana -—uma tendência que deu surgimento até a duplas jornadas secretas, em que pessoas se equilibram em dois ou mais empregos (sem o chefe saber, claro). Essa transformação do futuro do trabalho é apenas um dos muitos exemplos da transformação digital que nosso fundo de venture capital, Atlantico, analisa em estudo publicado nesta quarta-feira (22). Se na primeira edição da pesquisa, em 2020, o foco estava na aceleração catalisada pela pandemia, agora nos aprofundamos nos impactos de segunda e terceira ordens provenientes dessa aceleração.
As mudanças não são apenas de hábitos, mas também econômicas. O índice de penetração digital na economia brasileira dobrou no último ano, indo de 2,5% para 4,7% o valor de mercado de empresas de tecnologia no país em relação ao PIB nacional. Além disso, calculamos com base em dados de proprietários que atinge a casa de R$ 400 bilhões o valor de mercado dos unicórnios brasileiros, um grupo seleto de 16 empresas privadas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.
Dado o protagonismo da pandemia no avanço digital, nos dedicamos a levantar dados inéditos que nos ajudam a estimar a possível evolução da pandemia. E há razões para o otimismo. Um terço da população brasileira já está totalmente vacinada, e o número cresce a cada dia.
Especialistas estimam que, até chegarmos à metade da população vacinada, o principal gargalo em um país é o acesso à vacina. Após esse limiar, o maior obstáculo passa a ser o nível de oposição ou apatia das pessoas sobre a vacinação. Nos EUA, onde 20% das pessoas se opõem à vacina, a imunização tem formado uma curva em "S" com um teto por volta de 55%, longe dos patamares almejados de 80% para uma imunidade coletiva.
Em parceria com a empresa de pesquisa e análise estatística Atlas Intel, levantamos que cerca de 9% dos brasileiros têm algum grau de hesitação contra a vacina. É um número interessante: ele nos permite prever patamares bem acima dos americanos no nosso potencial de imunização e de recuperação da pandemia.
A pandemia trouxe à tona um alto nível de autorreflexão de prioridades pessoais e profissionais. Mas não só: também ressaltou a forma como cuidamos do nosso planeta. Em nosso estudo, levantamos que 38% dos brasileiros elencaram mudanças climáticas como o maior risco para o nosso planeta no futuro, 10% a mais dos que escolheram "o colapso da democracia" e o dobro dos que citaram novas pandemias.
Algumas mudanças de hábitos já são fruto dessa nova consciência: vemos forte crescimento da escolha por proteínas vegetais e pela energia de fontes renováveis, como a solar. São dois setores em que startups brasileiras demonstram potencial global. Com a tecnologia como forte aliada na busca pela sustentabilidade, temos o otimismo de que essa segunda onda de digitalização tem tudo para não só superar os problemas do status quo, mas também nos levar adiante.
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