O debate em torno do direito ao aborto conheceu nos últimos dias movimentos opostos dentro do continente americano.
No México, a Suprema Corte decidiu de forma unânime descriminalizar a interrupção da gravidez. Os magistrados reconheceram que a prática pertence à esfera da saúde pública e dos direitos da gestante.
É como esta Folha entende que a questão deva ser tratada, isto é, do ponto de vista da preservação da vida, da segurança e da escolha das mulheres, e não sob a ótica do direito penal. No Brasil, infelizmente, vigora ainda a visão punitivista.
O veredicto mexicano, referente à constitucionalidade de leis do estado de Coahuila que estipulavam até três anos de prisão para mulheres que abortassem, deve pressionar a aprovação de normas que legalizem a prática —hoje permitida em três estados e na capital.
A decisão estabelece um precedente para todos os tribunais de instâncias inferiores, podendo servir também, segundo especialistas, para livrar da cadeia mulheres presas em razão de abortos ilegais.
A ilustrar as dificuldades que essa pauta enfrenta, o avanço ocorrido no México se dá de maneira quase simultânea ao retrocesso registrado no vizinho estado americano do Texas. Ali, no dia 1º de setembro, entrou em vigor a lei sobre aborto mais restritiva dos Estados Unidos, onde esse direito existe há quase cinco décadas.
A nova regra proíbe a prática após seis semanas de gestação, período em que muitas mulheres ainda não sabem que estão grávidas, e não abre exceções nem para casos de estupro ou incesto.
Não bastasse, a norma incentiva os cidadãos a se tornarem delatores. Quem denunciar mulheres, médicos ou quaisquer pessoas envolvidas em abortos ilegais serão recompensados financeiramente.
Nada disso seria possível se a Suprema Corte tivesse bloqueado a legislação, como já havia feito em casos semelhantes. Ao rechaçar sua suspensão, o tribunal, hoje de maioria conservadora, abre um inquietante precedente legal. Diante disso, o governo Joe Biden anunciou a abertura de um processo contra o Texas para tentar reverter a regra.
Tanto evidências internacionais como a realidade do continente mostram que a lei texana dificilmente impedirá abortos. Antes empurrará uma legião de mulheres, em especial as mais vulneráveis, para a clandestinidade, colocando em risco sua saúde e sua vida.
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