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Lais Fontenelle

Adolescer em tempos de pandemia

Isolamento social provoca impactos preocupantes na saúde mental dos jovens

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Lais Fontenelle

Mestre em psicologia clínica pela PUC- RJ

Passado mais de um ano do início da pandemia de Covid-19, começamos a ver a olhos nus as cicatrizes inscritas em nossas crianças e adolescentes em razão, principalmente, do isolamento social experimentado na quarentena.

O trauma coletivo pode ser facilmente percebido em indivíduos com os sorrisos cobertos e olhos cansados pelo excesso de telas, obrigações e novos protocolos sanitários. Sem falar do estado de alerta e prontidão que nossos corpos rígidos se encontram pelo medo, luto e saudade. O sentimento de “languishing” ("definhamento") —muito bem definido pelo sociólogo Corey Keyes e descrito pelo psicólogo organizacional Adam Grant no The New York Times— parece ser imperativo nestes novos tempos. É um estado emocional que, em sua essência, se define pelo vazio e apatia. Sim, definhamos.

Ilustração em preto e branco de um rosto, com o cérebro à mostra. No cérebro, há contornos de seis corpos, alguns incompletos.
Pandemia tem aprofundado questões de saúde mental - Ilustração Estela May

Agora imaginem o que sentem nossos adolescentes, seres sociais por natureza. No momento de maior conquista de liberdade e autonomia, quando estavam trilhando um caminho de expansão e diferenciando-se de seus pais, ocupando as ruas e experimentando a vida, foram levados para dentro de casa, num convívio extremo com a família e longe do grupo —lugar de maior identificação, encontro e apoio. A escola, que só faz sentido presencialmente pela possibilidade do laço social, migrou para as telas, que permaneceram pretas e com microfones mutados, já que para eles a exposição excessiva de seu espaço privado e a visão de sua face, incessantemente, eram por demais angustiantes. Sem esquecer das insones redes sociais escancarando a falsa alegria.

É sabido que os adolescentes sofrem. Pela oscilação hormonal, que traz mudanças no corpo. Pela puberdade, que marca a perda da infância concomitante com a interdição sexual do mundo adulto. Sofrem pelo "não lugar" social e, hoje, mais do que nunca, sofrem pelo que a pandemia lhes roubou: o presente e a perspectiva de futuro.

Eles tentam curar a ferida do trauma de sonhos suspensos e de importantes ritos de passagem interrompidos. Alguns fecharam a escolaridade online, e outros começaram a vida universitária remota. Nossos adolescentes sofrem pela falta de aglomerações e pelo exílio coletivo experimentado que se agigantou em sua subjetividade como um grande vazio silencioso.

E é por isso que setembro, batizado de amarelo pela campanha de prevenção ao suicídio —iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)— nos convoca a refletir sobre a saúde mental de nossos jovens.

Alguns se cortam, pois, sim, o “cutting” (automutilação) tem sido uma saída para a dor, que, sem possibilidade de se tornar palavra, se inscreve como tatuagem no corpo. Outros enfrentam crises de ansiedade, perdem o sono e a concentração ou choram; enquanto tantos, simplesmente, silenciam. O suicídio continua sendo a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

Todos os anos, mais de 800 mil pessoas morrem como resultado de suicídio, mais do que HIV, malária ou câncer de mama. Dados que levaram a Organização Mundial da Saúde a produzir novas orientações para ajudar os países a melhorar a prevenção do suicídio e o atendimento.

Entre 2000 e 2015, os suicídios aumentaram 65% dos 10 aos 14 anos e 45% dos 15 aos 19 anos, segundo levantamento do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador do Mapa da Violência no Brasil. Precisamos estar atentos aos sinais de alerta e trabalhar em prol da prevenção. Família, escola e profissionais de saúde juntos. Compartilhamos a responsabilidade de tecer redes de apoio e escuta para amparar o sofrimento de nossos jovens. O tema é urgente, mesmo quando setembro passar.

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