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Luiz Marcos da Silva Filho

Carta aos bolsonaristas

Os mitos mistificam a realidade: é por isso que devemos nos livrar deles

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Luiz Marcos da Silva Filho

Filósofo e doutor em filosofia pela USP, é vice-coordenador do curso de filosofia da PUC-SP e líder do Grupo de Pesquisa de Filosofia Patrística, Medieval Latina e em Árabe da PUC-SP (CNPq)

Escrevo para você que apoia Jair Bolsonaro e ainda tem disposição para pensar a diferença. Quero falar sobre mitologia e mistificação para enxergarmos melhor por que Bolsonaro é um mito e por que, como todos os mitos, ele precisa ser desmistificado. Poucas vezes na história o Brasil precisou tanto de esclarecimento, pois a mitologia bolsonarista é um desserviço nacional e antipatriótica.

O delírio persecutório de Bolsonaro (que conforme a estação vai ganhando novos semblantes: o significante primordial Lula, depois Dilma, Moro, Rodrigo Maia, Mandetta, Doria, Barroso... e Alexandre de Moraes, o alvo do momento) é um delírio que não precisa e não deveria ser seu, pois está a serviço de um projeto de poder familiar e miliciano, que efetivamente trabalha contra o Brasil.

É claro que só o projeto pessoal, familiar e miliciano de Bolsonaro (que, nunca é demais lembrar, não é um projeto de sociedade, nem patriótico, nem nacional) por si só seria insustentável. Assim, para ter alcançado a dimensão que alcançou, tem apoio de muitos setores econômicos nacionais e internacionais, incluindo grupos de direita norte-americanos, como os ligados a Steve Bannon.

Você acha que Bannon está comprometido com a riqueza nacional e com o povo brasileiros? Você acha que o compromisso de Paulo Guedes com o capital estrangeiro é patriótico? Você acha a alta na conta de luz patriótica? Você acha que os atos bolsonaristas de 7 de Setembro foram patrióticos?

Se você respondeu "sim", imploro que continue a leitura e ao menos considere a hipótese de que a manutenção de Bolsonaro no poder beneficia menos a você e muito mais a grupos econômicos (como o agronegócio), que se favorecem com o desmonte de leis ambientais, com o aumento no preço dos alimentos, com a alta nos combustíveis, no gás de cozinha, na inflação e no dólar.

O projeto de poder de Bolsonaro não é para você, trabalhador honesto, que está endividado e mal consegue comprar a mistura com o preço absurdo da carne, do feijão, do óleo de cozinha. O projeto de poder de Bolsonaro também não deveria ser para você que não tem dificuldades financeiras, que tem casa própria e até consegue comprar ações de uma das empresas que, não à toa, mais cresceu neste governo e que mais faz lobby em Brasília: a Taurus Armas S.A., pois o presidente no poder só beneficia um capitalismo atrasado, primordialmente agrário e de um país subdesenvolvido.

Neste momento você poderia me dizer: "Com o PT era e seria pior; tudo, menos o PT”. Não estou defendendo o PT, nem Lula, nem a esquerda —aliás, se Lula também é um mito, igualmente deve ser desmistificado e demolido. O que estou dizendo é que um projeto de país não se faz com "rachadinhas", não se faz deixando o povo com fome, não se faz entregando o Brasil ao capital estrangeiro, não se faz com corrupção, não se faz exterminando centenas de milhares de brasileiros por incompetência no Ministério da Saúde, não se faz com anticientificismo, não se faz sem Estado democrático de Direito.

Por isso, passou da hora de pensarmos num projeto de país para além de direita e esquerda, porque esse dualismo também é mítico e mistificador. A democracia não é de direita, nem de esquerda, ela é a garantia de que seus direitos e sua voz são inalienáveis —sem democracia, nem o mercado funciona direito (com exceção do chinês, que certamente não é modelo para nós).

Ainda que nossa democracia seja claudicante, sem ela será o arbítrio e a tirania que deixarão de ser exceção. A ruptura institucional que Bolsonaro deseja não é para estender direitos fundamentais ao povo e sim para privá-lo ainda mais de direitos básicos de sobrevivência, para beneficiar sempre o posto Ipiranga e a transformação do Brasil num sítio de milícias. Os mitos mistificam a realidade; por isso (desde os gregos), é sempre desejável nos livrar deles.

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