Constituição: reformar ou demolir?

PEC da reforma administrativa garante privilégios a agentes de segurança e não atinge Judiciário e Ministério Público

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William Castanho
William Castanho

Secretário de Redação da Sucursal de Brasília, foi editor-adjunto de Mercado, é mestre e doutor em direitos humanos pela Faculdade de Direito da USP

Como uma casa, a Constituição e as leis ​demandam reparos. Telha quebrada, cano estourado, fiação velha exigem consertos até mesmo para se evitar danos estruturais.

Um processo de reforma requer planejamento. Parte-se de um problema, avalia-se a dimensão dos estragos e inicia-se a execução do projeto com o objetivo de promover melhorias.

Hoje em Brasília há reformas por todos os lados: administrativa, tributária, eleitoral. Teve versão diminuta, a minirreforma trabalhista.

Deputado Arthur Maia (DEM-BA), relator da PEC da reforma administrativa na comissão especial da Câmara
Deputado Arthur Maia (DEM-BA), relator da PEC da reforma administrativa na comissão especial da Câmara - Gustavo Sales - 31.ago.21/Câmara dos Deputados

Base e governo até tentaram rever direitos como férias, 13º e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) de parte dos trabalhadores. A obra desabou no Senado.

Algumas reformas avançam, outras caem. Exitosas ou derrotadas, prometem avanços —Estado moderno e eficiente, desburocratização, valorização da democracia e geração de empregos.

No início da madrugada de sexta (24), na Câmara, a comissão especial da reforma administrativa aprovou a PEC (proposta de emenda à Constituição) 32, de autoria do governo. Por um ano, tentou-se aprimorá-la.

O ministro Paulo Guedes (Economia) previa economia de R$ 300 bilhões em dez anos. Sem dizer como chegar a essa cifra, o texto inicial traçava diretrizes amplas sobre o serviço público.

Agora a versão aprovada corre o risco de frustrar metas ambiciosas.

Enquanto o país se aproxima de 600 mil mortos por Covid, o desemprego atinge 14,4 milhões de brasileiros, o preço do botijão de gás encosta em R$ 100, a escalada de aumentos empurra a inflação para os dois dígitos, deputados, com a anuência do governo, tratam de proteger castas do funcionalismo.

A PEC define, por exemplo, que, em caso de crise fiscal, o salário pode ser cortado em até 25%, mas não o de qualquer um. Carreiras típicas de Estado terão, em lei ainda inexistente, atenção diferenciada.

E, pela vontade de deputados, essa elite já estará listada na Constituição. Base do bolsonarismo, agentes de segurança pública lá figurarão ao lado de fiscais, diplomatas, advogados públicos.

Magistrados, promotores e procuradores seguem, por ora, intocáveis. Poderão pagar faturas lá na frente professores, enfermeiros, por exemplo.

Policiais ainda terão direito à aposentadoria integral em uma vitória do ministro Anderson Torres (Justiça), chamado pelo presidente Jair Bolsonaro para contornar insatisfações com sua reforma da Previdência.

A PEC irá ao plenário da Câmara e, se aprovada, depois passará pelo Senado.

O texto já pesou nos alicerces da Constituição, que pode até precisar de reforma, mas não deve ser destruída. Há quem veja uma antirreforma —na prática, demolição. ​Quem removerá esses entulhos?

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