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Impasse indígena

STF fará bem em remover marco temporal, o que não chega a pacificar demarcação

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Indígenas fazem protesto em frente ao STF, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

O Supremo Tribunal Federal tem a missão de desfazer parte da insegurança jurídica criada com a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A incerteza se arrasta desde o caso da área Raposa Serra do Sol, em 2008.

Saíram derrotados, na oportunidade, plantadores de arroz que haviam invadido áreas de várias etnias em Roraima. O ministro Carlos Alberto Menezes Direito incluiu em seu voto e o acórdão consagrou a noção de que indígenas só teriam reconhecido o direito a terras que ocupassem em 1988, ano da da promulgação da Constituição.

A tese conflitava com a letra e o espírito da Carta. Em seu artigo 231, ela assegura: “São reconhecidos aos índios [...] os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Tratava-se ali de terras “por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

O STF explicitou a seguir que, no caso da própria terra roraimense, não cabia recurso de arrozeiros baseado no marco temporal. Mas sua Segunda Turma negou reconhecimento de outras três terras invocando a tese controversa, e a judicialização crescente fomentou insegurança para todas as partes.

A Advocacia-Geral da União deu guarida ao marco em 2012 (governo Dilma Rousseff) e 2017 (Michel Temer). Apoiado nesses pareceres, dezenas de processos foram devolvidos à Funai no atual governo, contrário a demarcações.

O Supremo usou recurso da Funai a favor de uma terra dos Xokleng em Santa Catarina para estipular, em 2019, que o desfecho teria repercussão geral. Ou seja, valeria para todas as decisões judiciais arguindo o marco temporal —a definição agora examinada pela corte.

Em realidade, não convém ao agronegócio como um todo tal restrição a direitos indígenas. A reputação do setor, sobretudo da parcela mais arejada na exposição ao mercado global, já padece com a destruição da Amazônia.

Os conflitos reais hoje se restringem a pequenas áreas em estados como Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Bahia, onde etnias expulsas de suas terras se viram ameaçadas de extinção.

Se é fato que 13,8% do território nacional já se destina a áreas indígenas, cabe assinalar que 98,3% disso está na Amazônia, onde se registra mais assédio de garimpeiros que de agricultores.

Entidades ruralistas alegam que, sem o marco temporal, os territórios poderiam cobrir mais de um quarto do Brasil e causar prejuízos bilionários para as safras. Não convém debater a questão, de fato complexa, com catastrofismo.

O STF fará bem em remover o marco —o que, de todo modo, não basta para eliminar a judicialização. O processo de demarcação seguirá nas mãos do Executivo, a depender das inclinações do governo de turno, e sujeito a questionamentos de todas as partes.

editoriais@grupofolha.com.br

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