Descrição de chapéu
Pedro Antunes

O que fazer com a volta da música ao vivo?

Sem shows, pandemia expôs o tamanho do buraco existente na indústria

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Pedro Antunes

Jornalista e crítico de música

Estranhamente vazia lá pelas 18h de um sábado, a rua do Arouche, próxima à praça da República, no centro de São Paulo, tinha uma única porta comercial ainda aberta. Com uma grelha fumegante na entrada, um restaurante mineiro tentava atrair clientes com um convite. “Espetinho e música de qualidade”, dizia, do lado de fora, o garçom, improvisado de promoter e também de churrasqueiro daqueles mal-acabados pedaços de carne atravessados por um palito de madeira. Lá dentro, uma dupla sertaneja cantava para ninguém.

Não é essa a cena imaginada pelo mercado da música sobre a volta dos shows, é claro. O “music business” ficou alvoroçado pelo Lollapalooza de Chicago, com artistas gigantescos como Foo Fighters, 110 mil pessoas no público e cifras milionárias em dólar, mas a dupla sertaneja da churrascaria também integra o ecossistema fonográfico.

Estamos preparados para a retomada oficial dos shows? Extraoficialmente, algumas performances voltaram com as aglomerações que deveriam ser evitadas —a turma do “nariz para fora da máscara” beberica, canta e ignora as práticas sanitárias adequadas para o momento. E os artistas contratados, quando expostos, apanham nas redes sociais. Mas a necessidade do fluxo no caixa quase sempre justifica tudo.

A pandemia mostrou o tamanho do buraco existente na indústria cavado pela desvalorização do seu único bem de consumo. Conforme as mídias físicas —o LP, o CD e o DVD— desapareceram e foram substituídas pela ideia da música na nuvem, sem valor unitário, a grana só tem duas formas de entrar: publicidade e shows. O artista pequenino precisa “se virar nos 15” (que é a metade do “se virar nos 30”) para conseguir apoio financeiro. Portanto, o dinheiro dos cachês segura o tranco que é receber US$ 0,0032 por "play" nas plataformas de streaming. E o que dizer da “turma da graxa”, caso dos roadies, iluminadores, técnicos de som e tal, cuja remuneração zerou com a pandemia de Covid-19?

Gigantes nacionais como Rock in Rio ou o novato Rock The Mountain anunciam as atrações para as edições de 2022 esperançosos. Todo mundo está doido para colocar o pé para fora, na rua ou na grama fake (como a do festival carioca) para ouvir a música favorita sem ser por uma tela. Mas como fica a variante delta? A Nova Zelândia se fechou recentemente em novo "lockdown", e artistas como a norte-americana Stevie Nicks também cancelaram as recém-anunciadas turnês.

Adoraria propor uma reflexão sobre novas formas de monetizar a música, mas, um ano e meio de pandemia depois, nenhuma saída se mostrou promissora a não ser nas performances musicais em games como o Fortnite. O rapper Travis Scott faturou US$ 20 milhões por uma apresentação de nove minutos —mais de 40% do arrecadado na lucrativa turnê dele “Astroworld”, com 58 apresentações.

Se é impossível frear o retorno da música ao vivo, por razões humanas e questões financeiras, o jeito é pedir por prudência, pelo uso da máscara e pelo distanciamento seguro. Ainda assustado demais para sair, prometo voltar ao restaurante mineiro da rua do Arouche para comprar um CD da dupla sertaneja (se eles tiverem um desses à venda) e, de quebra, trazer alguns espetinhos bem passados para comer em casa. É como consigo ajudar por enquanto.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.