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Maria Laura Canineu

O que o Brasil pode fazer para ajudar afegãos

Governo deveria anunciar compromisso generoso para reassentar refugiados

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Maria Laura Canineu

Diretora da Human Rights Watch Brasil, é graduada em direito e relações internacionais (PUC-SP) e mestre em direito internacional pela Universidade de Warwick (Inglaterra)

Desde a tomada do Afeganistão pelo Talibã, milhares de afegãos fogem das ameaças de represália e perseguição, buscando refúgio pelo mundo. Em meio a graves relatos sobre pessoas do antigo governo e seus aliados sendo detidas, líderes do Talibã fazem promessas vagas e duvidosas sobre direitos humanos.

Entre 1996 e 2001, quando no poder, membros do Talibã restringiram amplamente o direito de mulheres e meninas de frequentarem escolas e universidades, usaram chicotadas e apedrejamentos como punição por supostos “crimes morais”, confinaram mulheres em suas casas e lhes negaram acesso a quase todos os empregos. Nos últimos anos, há denúncias sobre o envolvimento do Talibã nas mortes de dezenas de jornalistas e ativistas.

Em razão desse histórico horroroso e da incerteza sobre o futuro, é improvável que o êxodo de pessoas em risco pare tão cedo. Governos em todo o mundo buscam soluções. Os Estados Unidos, o Canadá e vários países europeus estão aceitando solicitantes de refúgio. O Brasil também anunciou passos importantes para ajudar refugiados afegãos.

Já em dezembro de 2020, quando as forças do Talibã avançavam, o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) decidiu acelerar o reconhecimento de afegãos como refugiados, determinando que enfrentam, em seu país, grave e generalizada violação de direitos humanos. Em 2019, o Conare fez essa mesma determinação para os venezuelanos, permitindo o reconhecimento de mais de 46 mil como refugiados desde então. A Agência das Nações Unidas para Refugiados considerou essa determinação um “marco na proteção dos refugiados”.

Recentemente a mídia noticiou que o Brasil também emitiria vistos humanitários aos afegãos, permitindo que aqueles que tenham conseguido fugir para países vizinhos busquem aqui o status de refugiado. O Brasil foi pioneiro no uso de vistos humanitários tanto em 2012, quando haitianos fugiam da miséria que se agravou com um terremoto devastador, como em 2013, quando uma guerra civil brutal expulsou os sírios de seu país.

Nosso histórico no tema, entretanto, está longe de impecável. Durante a pandemia, o Brasil proibiu venezuelanos de atravessarem as fronteiras terrestres e ordenou a deportação dos que conseguiram entrar, mesmo solicitantes de refúgio, violando suas obrigações internacionais.

A concessão de vistos humanitários e de status especial para refugiados afegãos é um bom começo. Mas, dada a gravidade da crise, podemos fazer mais. O governo deveria anunciar um compromisso generoso para reassentar refugiados afegãos no Brasil e para apoiar a resposta humanitária aos deslocados tanto dentro do Afeganistão quanto na região.

Além disso, deve se juntar à comunidade internacional nos apelos ao Talibã para que respeite suas obrigações de direitos humanos, inclusive o direito das pessoas de deixarem o país, e aos países vizinhos que abram suas fronteiras para aqueles que provavelmente serão alvos do grupo. Com isso, o Brasil poderia inspirar outros países a tomarem medidas semelhantes, como já fez com a criação de um mecanismo mais ágil para processar o refúgio dos afegãos.

O Brasil também pode ajudar a conduzir as Nações Unidas no caminho certo. Como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU e atual membro não permanente do Conselho de Segurança, o país deve pressionar pela criação de mecanismos robustos no âmbito das Nações Unidas para monitorar os direitos humanos no Afeganistão e garantir que eles retenham a capacidade de reunir informações sobre abusos, coletar evidências de crimes graves para processos futuros e publicizar suas conclusões.

No passado, o Brasil criou normas e procedimentos para reconhecer venezuelanos e afegãos como refugiados, o que poderia inspirar o mundo. Porém, neste momento crítico, urge ir além: é preciso apoiar mecanismos adicionais de responsabilização no âmbito da ONU e mobilizar uma rede global para salvar vidas.

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