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Julio Croda

O uso da Coronavac como dose extra é adequado? NÃO

Estudos apontam que Pfizer induz uma resposta imunológica mais robusta

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Julio Croda

Médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Yale School of Public Health (EUA)

No Brasil, 93% das pessoas acima de 70 anos já completaram o seu esquema vacinal, sendo que 78,4% receberam a Coronavac. No último dia 26 de agosto, através de nota técnica, o Ministério da Saúde, apoiado pela câmara técnica e por sociedades científicas, recomendou preferencialmente a dose de reforço para pessoas acima de 70 anos e imunossuprimidos com a vacina da Pfizer, seguida de Astrazeneca/Oxford ou Janssen. A proposta vai ao encontro da decisão tomada por outros países: Chile, Uruguai, Emirados Árabes e Bahrein. Países que, como o Brasil, iniciaram a imunização com uma vacina de vírus inativado, como a Coronavac ou a Sinopharm.

Recentemente, um estudo de efetividade em mais de 61 milhões de brasileiros demonstrou que, em idosos de 80 a 89 anos, a Coronavac apresentou efetividade para proteção de óbito de 67%, e a Astrazeneca/Oxford, de 91%. Nos maiores de 90 anos, a efetividade da Coronavac foi de 35%, e a da Astrazeneca, 71%.

Essa baixa efetividade da Coronavac para essa população foi explicada em parte através de estudos recentes que demonstraram a menor produção de resposta imune tanto de anticorpos quanto de resposta celular em idosos acima de 55 anos no estado de São Paulo. Nessa lógica, os imunossuprimidos, incapazes de gerar uma resposta imune eficaz pela vacina, entram juntamente com os idosos no grupo de populações mais vulneráveis à doença.

Em um estudo realizado em Hong Kong, comparando níveis de anticorpos neutralizantes na mesma população com esquema tradicional de duas doses, a vacina da Pfizer foi superior na produção de anticorpos neutralizantes após primeira e segunda doses quando comparada com o esquema tradicional com a Coronavac. A avaliação deste imunizante como dose de reforço em quem previamente já tinha feito esquema completo com a vacina demonstrou um aumento de dez vezes nos títulos de anticorpos neutralizantes quando comparados após a segunda dose. Com a Pfizer como dose de reforço esse aumento chegou a 44 vezes. Claramente, as plataformas de vacina de mRNA, como a Pfizer, parecem induzir uma resposta imunológica mais robusta tanto no esquema tradicional, com duas doses, como na dose de reforço.

Mais recentemente, diversos estudos realizados em países como Espanha, Reino Unido, Alemanha e Tailândia demonstraram que combinar diferentes vacinas produz uma resposta imunológica mais robusta que esquemas que utilizam apenas um tipo. Ou seja, misturar vacinas de diferentes plataformas estimula fortemente o sistema imune e, no final, o saldo é a maior capacidade de esses anticorpos neutralizarem o vírus, sem aumento significativo de eventos adversos.

O estado de São Paulo, a despeito do cronograma do Ministério da Saúde, optou por antecipar a dose de reforço em idosos e imunossuprimidos. Ao antecipar o início da dose de reforço para o dia 6 de setembro, e não seguir a recomendação do Ministério da Saúde de iniciar apenas em 15 de setembro, não garantiu doses suficientes de Pfizer e, dessa forma, 90% das doses de reforço aplicadas nesse período foram de Coronavac —justamente em pessoas acima de 90 anos. Neste momento, talvez seria mais prudente priorizar a dose de reforço dos idosos acima de 70 anos com Pfizer em detrimento do início da vacinação dos adolescentes sem comorbidades. No Brasil, a mortalidade das pessoas acima de 70 anos completamente vacinadas é ao menos dez vezes maior do que nos adolescentes não vacinados.

O preço dessa decisão ainda é inestimável e somente evidências científicas futuras poderão comprovar os efeitos; mas podemos aventar a possibilidade de necessidade de nova dose de reforço em um futuro próximo. Ou, ainda, a baixa efetividade da estratégia, com a manutenção elevada de internações e óbitos justamente nesses grupos mais vulneráveis. Decisões em saúde pública não são fáceis. Mas a ciência indica o caminho e, de certa forma, premia os gestores que a seguem com um maior números de vidas salvas.

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