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Zezé Motta

Presidente da Fundação Palmares deleta parte da nossa história

Minha atitude em relação a isso é só uma: resistência!

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Zezé Motta

Atriz, cantora e militante em diversas áreas, tem 14 álbuns gravados, mais de 55 filmes e 50 projetos na TV.

Sou do tempo em que se escreviam cartas. Hoje recebo centenas de e-mails e mensagens no WhatsApp e nas redes sociais. Tive de me adaptar para tornar-me uma mulher digital. Minha semana começou agitada, com muitas mensagens de revolta pelo que está acontecendo na Fundação Palmares.

No domingo passado (29/8), resolvi me pronunciar, atendendo a pedidos do Fantástico, da TV Globo. O programa trouxe reportagem sobre o presidente da Fundação Palmares, acusado na Justiça de assédio moral, discriminação e perseguição ideológica.

Lutei muito pela criação da Palmares, quando diziam que racismo não existe no Brasil e que nós, os negros, estávamos importando um problema dos EUA. Participei de muitas lutas para que um dia tivéssemos uma instituição federal de promoção da afro-brasilidade, eu e muitos colegas do Movimento Negro Unificado.

Mulher negra de cabelos longos e camisa com listas coloridas
A cantora e atriz Zezé Mota em retrato de 2018 - Marlene Bergamo/Folhapress

Nunca imaginei que, depois da ditadura, passaríamos por um momento assim. A Palmares nasceu em defesa da cultura negra. Mas hoje, infelizmente, o que ela mais faz é deletar parte da nossa história. Não me refiro a mim, que, assim como tantos outros artistas, tive o nome excluído da lista de personalidades negras. Refiro-me à nossa história. Esse homem está no lugar errado. E, como já disse mais de uma vez, é um alienado!

Perguntam-me como me sinto em relação a todos os episódios absurdos que a Fundação Palmares vem protagonizando nos últimos meses. Minha atitude é só uma: resistência! Resisto todos os dias e trago o otimismo como grande aliado nessa minha vida dura e ao mesmo tempo cheia de sabor.

Pulando o desagradável tema da Fundação Palmares, é na companhia da arte que aprendo a lidar com esses lutos.

Faço arte porque nasci com esse dom. Mas não sei como dou conta, porque vivo no mundo da Lua. Estou com 77 anos, 54 de carreira, acabei de terminar quatro filmes, estou escalada para duas séries na TV, preparando meu próximo disco, acabei de gravar um especial e tenho diversos outros projetos. Sou canceriana, regida pela Lua. Isso já me incomodou, mas descobri que esse estar no mundo da Lua me relaxa. É uma forma para dar conta do recado. Faço 200 coisas ao mesmo tempo. E, como todo brasileiro, vejo e fico sabendo de 200 desgraças o tempo todo.

Canto, represento, sou mestre de cerimônias, dona de casa, mãe, avó, militante... Nas minhas orações, agradeço a Deus por poder fazer arte no Brasil, o que não é fácil. Sendo mulher, negra e com mais idade, fica mais complicado ainda.

Os meios estão sempre querendo investir em novos rostos. Mas eu fiz 77 anos e tenho sido bastante solicitada, tem hora que acho que não vou dar conta de tudo. E não é que dou?

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