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Zeno Simm

Suicídio pode ser considerado acidente do trabalho

Não há dúvida que transtornos mentais adquiridos em ambientes nocivos podem levar a atos extremos

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Zeno Simm

Juiz aposentado do Tribunal Regional do Trabalho (9ª Região), é doutor em direito pela Universidad de Castilla-La Mancha (Espanha) e membro da ABMT (Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho)

O suicídio é um fenômeno presente na história da humanidade desde os tempos bíblicos, passando pela antiguidade clássica greco-romana, pelo período medieval (a partir de quando o fenômeno passou a ser estudado de forma científica), pela Idade Moderna e até a contemporaneidade, preocupando estudiosos e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS).

Com o incremento do número de casos em todo o mundo, a OMS instituiu o dia 10 de setembro como "Dia Mundial de Prevenção do Suicídio". Segundo a organização, o ato de tirar a própria vida "é um problema complexo, para o qual não existe uma só causa nem uma só razão", resultado de uma "complexa interação de fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociais, culturais e ambientais". Nem sempre se identifica a motivação suicida, mas a depressão é tida como uma de suas principais causas, juntamente com outros transtornos mentais.

Recentemente, em razão da repercussão internacional de diversos suicídios praticados por motivos relacionados ao trabalho em empresas europeias e norte-americanas, foram desenvolvidas pesquisas e teorias sobre o tema. O trabalho nem sempre é apenas fonte de prazer e realização pessoal. Muitas vezes, o ambiente de trabalho apresenta fatores de risco à saúde psicofísica que podem causar danos psicológicos, sociais e físicos.

Nesse cenário, não é improvável a ideação suicida por parte do trabalhador em razão das variadas formas de pressão psicológica que sofre no ambiente laboral, havendo casos em que se pode caracterizar o suicídio (ou sua tentativa frustrada) como evento equiparado a infortúnio laboral. É preciso saber se em determinada situação concreta o evento é resultado de um ato deliberado da própria vítima, sem qualquer causa externa, ou se, ao contrário, é patológico e produto de um transtorno mental que tenha obnubilado, reduzido ou anulado a livre manifestação de vontade do suicida e se este transtorno teve origem no trabalho.

A lei previdenciária prevê a concessão de benefícios aos segurados e/ou seus dependentes em caso de doenças e acidentes, fazendo uma distinção (em maior ou menor grau) entre os eventos de causas laborais e não laborais. As normas legais consideram como acidente do trabalho não apenas aquele ocorrido no local e horário de trabalho que cause lesão por motivo ou consequência do trabalho subordinado, mas também diversos outros eventos, alheios ao local e ao horário de serviço, mas com estes relacionados, de modo que os eventos danosos vinculados ao trabalho (as doenças ocupacionais) são equiparados a acidente do trabalho. Por isso, é preciso estabelecer o correto enquadramento do suicídio nas hipóteses da legislação de seguridade social.

Não há dúvida que os transtornos mentais adquiridos em ambiente de trabalho nocivo podem levar ao suicídio. Se a perturbação psíquica tem origem em causas (ou mesmo concausas) laborais, o suicídio pode ser equiparado a acidente do trabalho.

O empregador tem o encargo de promover a proteção à saúde psicofísica do trabalhador. O descumprimento dos deveres gerais ou específicos de proteção, prevenção e segurança em relação aos trabalhadores que se colocam sob suas ordens e comandos gera a responsabilidade civil por danos.

De outro lado, se a culpa pelo evento se atribui exclusivamente ao trabalhador, por dolo ou imprudência temerária da sua parte, tecnicamente não se poderia dizer que se trata de acidente do trabalho (poderia ser acidente no trabalho), portanto, sem gerar para o empregador obrigações ressarcitórias. Mas, se para o evento concorrem causas imputáveis ao empregado e ao empregador (causas concorrentes ou concausas), as obrigações legais a cargo do empregador serão valoradas segundo o grau de culpa de ambos.

Então, caracterizando-se o suicídio como acidente do trabalho, daí derivam não apenas o direito dos beneficiários às respectivas prestações previdenciárias como também o dever do empregador de reparar os respectivos danos (patrimoniais ou não). Isso ocorre tanto no caso do suicídio frustrado ou meramente tentado (danos sofridos pelo próprio trabalhador) quanto no consumado (danos sofridos por terceiros que tenham sido afetados). Há, também, a garantia do emprego por 12 meses no caso de o trabalhador não lograr seu intento suicida.

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