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O que a Folha pensa mudança climática

Desafio em Glasgow

Países precisam superar barreiras para resolver crise do clima, que o Brasil assiste como pária

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Vasto terreno desmatado, com tronco de árvore derrubada no centro da imagem e árvores menores e alguma vegetação ainda em pé.
Área de desmatamento recente no município de Apuí (AM). - Lalo de Almeida - 20.ago.2020/Folhapress

A uma semana do início de mais uma reunião de cúpula sobre a crise do clima, parece duvidoso que os 197 países que há seis anos se comprometeram em Paris com medidas para conter o aquecimento do planeta superem os obstáculos que impedem os avanços necessários.

O Acordo de Paris apontou como objetivo limitar o aumento da temperatura global em 1,5°C, mas entraves técnicos, financeiros e políticos fizeram com que os compromissos assumidos ficassem muito aquém do exigido para alcançar tal meta.

A COP-26, a se realizar em Glasgow, na Escócia, oferece o que pode ser a derradeira oportunidade diante do maior desafio de longo prazo enfrentado pelo planeta.

Infelizmente, países como o Brasil caminham no sentido oposto, por descaso e incompetência. Até a eleição de Joe Biden nos Estados Unidos, a nação mais rica do mundo também regredia nessa matéria.

Não há mais controvérsia sobre a física por trás das mudanças climáticas, cujos efeitos desastrosos são sentidos em toda parte, inclusive no Brasil. Emissões de carbono causadas pela queima de combustíveis fósseis e pelo uso da terra precisam ser neutralizadas até 2050.

As reduções propostas pelos países em Paris, ainda que efetivamente realizadas, implicariam aumento da temperatura atmosférica acima de 2,5ºC. Isso acarretaria eventos extremos —secas, inundações, incêndios— em frequência e intensidade que nenhum governo está preparado para enfrentar.

Novas metas foram anunciadas desde então, mas também ficam aquém do imprescindível, ultrapassando 2ºC. Ainda está por ser feita a maior parte do esforço exigido para afastar os piores cenários.

Impõe-se uma reforma cabal do sistema energético mundial, para substituir carvão, petróleo e gás natural por fontes renováveis e menos poluentes. Revoltas recentes em vários países com escassez, blecautes e flutuações de preços dão ideia das dificuldades envolvidas.

A Agência Internacional de Energia diz que a maioria das tecnologias necessárias está disponível e outras inovações requeridas para o desenvolvimento de fontes limpas de energia são factíveis.

O investimento anual nessa área teria de saltar de US$ 1 trilhão para US$ 4 trilhões até 2030. Pode ser que os avanços do setor privado surpreendam, mas não se garante que haverá capital e tecnologia disponível para todos os países.

Existem ainda 770 milhões de pessoas sem eletricidade em nações pobres, as mais vulneráveis diante das ameaças do clima. Seria preciso assegurar-lhes acesso a fontes de energia sustentáveis e meios para adaptação às mudanças.

Países ricos se comprometeram no passado com US$ 100 bilhões anuais para ajudar, mas não cumpriram a meta —e parece improvável que se disponham agora a desembolsar valores maiores, após as despesas impostas pelo enfrentamento da pandemia de Covid-19.

Uma forma de acelerar a transição seria tornar onerosa a geração dos gases responsáveis pelo efeito estufa, por meio de um imposto ou de mercados de carbono em que poluidores podem comprar créditos para neutralizar emissões.

Espera-se algum avanço em Glasgow, mas a unificação de padrões e métricas que permitiria compatibilizar as várias iniciativas regionais existentes tende a demorar.

O Brasil teria muito para contribuir com esses debates, mas Jair Bolsonaro destruiu a credibilidade angariada pela diplomacia e pela banda menos atrasada do setor empresarial em décadas de negociações.

As metas anunciadas pelo Brasil embutem aumento de emissões até 2030. O desmatamento segue em alta na Amazônia, e o governo tem retido recursos destinados a combater a destruição de florestas.

Com seu patrimônio invejável de biodiversidade e estoques de carbono, que podem aumentar com reflorestamento e manejo adequado de solos, cultivos e rebanhos, o Brasil poderia se credenciar para auferir receitas consideráveis num futuro de descarbonização.

Esse era o espírito do mecanismo que o país ajudou a gestar desde o Protocolo de Kyoto, de 1997: remunerar projetos de desenvolvimento sustentável, que resultassem em menos carbono na atmosfera. No entanto, outras nações se beneficiaram mais, como a China.

Em Glasgow se debaterá a formatação de novas normas para esses mercados sem que o Brasil tenha voz forte. Diminuirão, assim, suas chances de obter recursos volumosos para iniciativas de reflorestamento, agricultura de baixo carbono e energias renováveis.

Jair Bolsonaro certamente desempenhará mais uma vez o papel de bufão no encontro de cúpula. Ele poderá até entrar no coro que aproveitará a COP-26 para cobrar mais recursos dos países ricos. Ninguém em Glasgow lhe dará atenção.

editoriais@grupolha.com.br

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