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Já é hora de discutir a flexibilização do uso de máscaras em locais abertos? NÃO

Vacinação avançou, mas não é suficiente para a erradicação da Covid-19

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Hélio Arthur Bacha

Infectologista, doutor em medicina (doenças Infecciosas e parasitárias) pela Faculdade de Medicina da USP e especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública (USP)

“Em saúde pública, é problema o que possui solução” —este é um axioma constitutivo da administração sanitária. Grande parte das doenças virais não era matéria de preocupação, mas havida como natural e decorrente da condição humana.

Varicela, sarampo, gripe, rubéola e mais algumas outras eram reunidas em um grupo de morbidade que era definido como “virose”, diagnóstico para o qual não havia terapia específica e não mereceria cuidado médico. Havia exceções: varíola, febre amarela e poliomielite, por exemplo. Para a varíola já se desenvolvera a primeira vacina da história, ainda no século 18; a febre amarela ganhou a sua nas primeiras décadas do século 20; e, nos anos 1950, surgiu a da poliomielite.

As doenças virais tiveram sua magnitude epidemiológica reconhecida nos anos 1980 com a pandemia da Aids, que inicialmente ameaçava ser incontrolável. Grandes investimentos foram feitos em pesquisa microbiológica, epidemiológica, farmacológica e clínica. A compreensão das doenças virais ganhou consistência com as grandiosas conquistas na prevenção, no diagnóstico e no tratamento de hepatites virais, gripe, HIV, sarampo, herpes e papiloma vírus, entre outras.

Quando, em dezembro de 2019, a China anunciou os casos de Covid-19, o mundo se preparou de imediato para o enfrentamento da nova doença. A resposta do conhecimento técnico-científico deu-se de pronto.

Poucos meses após o início da epidemia já dispúnhamos do sequenciamento do seu agente; um conjunto de drogas já existentes foi testado; aprimorou-se o domínio de técnicas clínicas de suporte ​ventilatório e farmacológico dos casos graves; e, não menos importante, identificamos medicamentos que se revelaram mera futilidade terapêutica.

Aplicamos imediatamente as medidas não farmacológicas de contenção parcial do avanço da doença, o uso de máscaras, o distanciamento social e a higiene pessoal. Em menos de um ano dispúnhamos do recurso fundamental: a vacina específica. Portanto, a Covid-19 é um problema de saúde pública, pois desenvolvemos mecanismos de contenção.

Novas variantes, com transmissibilidade intensificada, surgiram. E o pior: o negacionismo militante organizado expandiu-se pelo país, com importante suporte econômico e político para combater o conhecimento técnico e científico. Mentiras sistemáticas sobre o vírus, vacinas, isolamento social, gravidade da doença e uso de máscaras foram divulgadas maciçamente nas redes sociais, dificultando a implementação de iniciativas necessárias de contenção epidêmica e de terapia dos casos leves. Em alguns países a ofensiva foi mais cruel e grave; nós, brasileiros, fomos especialmente vítimas desses embustes.

Nas últimas seis semanas, o Brasil está em uma nova fase da pandemia. A cobertura vacinal cresce, os hospitais estão com importante redução de casos graves —cerca de 90%. É hora de repensarmos o cotidiano. A Covid-19 ainda é problema, mas algumas atividades podem e devem ser desenvolvidas com a segurança necessária para que possamos retomar as atividades de forma contínua.

A vacina tem papel preponderante na proteção dos indivíduos, mas não é recurso único e suficiente para a erradicação da Covid-19, como está demonstrado nos países que conseguiram imunizar toda a sua população. Israel é o melhor exemplo. O uso de máscara por todos é recurso a ser mantido como defesa individual e coletiva contra a imersão na pocilga respiratória que até agora tem sido o ambiente coletivo urbano.

As máscaras devem continuar como proteção individual e como símbolo de que a consciência sanitária não se rende à ignorância, ao erro e à doença.

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