Descrição de chapéu
Daniel A. Dourado

Já é hora de discutir a flexibilização do uso de máscaras em locais abertos? SIM

Dados locais devem ser observados, e população precisa estar ciente dos riscos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Daniel A. Dourado

Médico e advogado sanitarista, é pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP e do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris

O uso de máscaras faciais é indispensável no enfrentamento da Covid-19. Isso justifica ser medida obrigatória durante a pandemia, desde que decisões políticas sobre duração e condições dessa obrigatoriedade sejam fundamentadas em avaliações de risco feitas a partir de evidências científicas.

Há evidências robustas de que a Covid-19 é transmitida principalmente pelo ar. Significa que a via predominante de infecção é a inalação de pequenas partículas flutuantes produzidas quando uma pessoa infectada respira, fala, espirra ou tosse. Por serem muito leves, essas partículas se concentram ao redor de quem as exala e podem se dispersar ao serem liberadas ao ar livre ou se acumular em ambiente fechado e mal ventilado.

É por essa razão que estudos indicam que mais de 99% das transmissões ocorrem em locais fechados e menos de 1% em áreas externas. Não se encontraria diferença tão grande se o vírus se espalhasse predominantemente por gotículas respiratórias mais pesadas, que se depositam em superfícies e, por isso, apresentam um padrão de transmissão por contato —pois a gravidade atua do mesmo modo em ambientes internos e externos.

Essas evidências devem ser usadas para definir a estratégia de controle desse agente infeccioso.
A redução da transmissão aérea do vírus requer medidas como ventilação, filtragem de ar, evitar aglomerações e minimizar o tempo gasto em locais fechados. O uso de máscaras de boa qualidade e corretamente ajustadas (sem vazamentos de ar) é crucial em ambientes internos, com pouca ventilação ou com muita gente.

Muitos países que adotaram o uso obrigatório de máscaras decidiram flexibilizar em locais abertos, considerando que nesses espaços o risco é bastante baixo, especialmente em populações vacinadas. Além disso, obrigatoriedade implica mobilizar o aparato estatal para fiscalizar e multar, esforço que pode ser mais bem aplicado em situações de risco muito maior, como transporte público, comércios, escolas e eventos com aglomerações.

Cobertura vacinal é um critério importante, mas não o único. Países europeus, como Alemanha, França, Espanha e Itália, suspenderam obrigatoriedade de máscaras ao ar livre quando tinham em torno de 30% de suas populações imunizadas e mantiveram controle da epidemia. Já EUA e Israel precisaram recuar por terem desobrigado máscaras em locais fechados de forma precipitada, mesmo tendo maiores percentuais de imunização na época.

No Brasil, o avanço da vacinação tem impulsionado a demanda pela flexibilização do uso de máscaras. Essa discussão deveria partir de indicadores que permitissem avaliar a situação da epidemia nas cidades e nas regiões, particularmente os números e o comportamento das curvas de casos novos —internações e óbitos não são adequados por serem eventos tardios.

Como o Ministério da Saúde não definiu parâmetros nem assumiu o seu papel de coordenação nesse processo, é provável que se mantenha a lógica de cada um por si nos estados e municípios.

Certo é que neste momento não há condição para cogitar flexibilização de máscaras em ambientes fechados. Pelo contrário, é necessário não só manter a obrigatoriedade como aumentar o rigor, dando preferência a máscaras de boa qualidade e bem ajustadas ao rosto.

Quanto ao uso em locais abertos, o melhor é ouvir o que diz a ciência e observar os dados locais, estabelecendo comunicação clara e direta com a população, que precisa ser informada sobre o sentido das medidas e os reais riscos envolvidos. Esse debate deve ser conduzido de maneira racional e transparente.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.