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Anderson de Paiva Gabriel e Martim Della Valle

O informante do bem e o combate à corrupção

Nesta delação, o protagonista é o cidadão, não um dos delinquentes

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Anderson de Paiva Gabriel

Juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ)

Martim Della Valle

Advogado, é doutor em direito (USP) e professor da International Anti-Corruption Academy (Viena)

Um novo instituto, ainda adormecido, pode causar uma silenciosa revolução social no Brasil: o "informante do bem" ("whistleblower"), previsto no art. 15 da recente lei 13.964/19 (Lei Anticorrupção).

O "informante do bem" é qualquer indivíduo que, tendo ciência ou informações sobre quaisquer condutas lesivas ao interesse público, relata tais fatos e aponta os possíveis envolvidos a uma autoridade.

Com isso, pode receber até 5% do valor recuperado; ficar isento quanto à eventual responsabilização civil ou penal em relação ao relato; ter a identidade preservada; e ter proteção integral contra retaliações, com potencial ressarcimento em dobro por eventuais danos materiais, sem prejuízo de danos morais. O princípio é análogo ao da colaboração premiada; contudo, desta vez o protagonista é o cidadão, não um dos delinquentes.

Revelar um malfeito não é fácil. Laços sociais e profissionais e o medo de retaliações podem obstar que isso ocorra —e é por isso que é preciso incentivar tais denúncias.

Um dos grandes desafios contemporâneos que o Brasil enfrenta é o combate a corrupção, cuja nocividade social é notória. O "informante do bem" constitui uma promissora e eficiente arma posta à disposição de cada brasileiro.

A previsão legislativa do instituto foi tímida e demanda aprimoramentos diversos, mas foi um passo essencial. Lamentavelmente, não há notícias sobre a criação de unidades de ouvidoria ou correição nos termos que a Lei Anticorrupção instou —ou mesmo a regulamentação de programas de "whistleblower", apesar de haver imposição legal nesse sentido tanto aos entes federativos quanto às autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Sem prejuízo da adequada regulamentação, pensamos que o instituto do "informante do bem" já é integralmente aplicável e qualquer cidadão pode fazer os relatos de crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer condutas lesivas ao interesse público diretamente ao Ministério Público, gozando, desde o início da vigência da lei, das proteções conferidas e da possibilidade de concessão jurisdicional da recompensa.

Muitos são os campos férteis para a estreia do instituto. Um deles certamente é o da saúde, ora potencializado pela pandemia de Covid-19, que destinou bilhões de reais para vários setores da economia. É tempo para que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) considere um programa de "whistleblower" robusto para, municiada por informações de denunciantes, atuar de maneira incisiva e proteger os acionistas de fraudes e erros em balanços contábeis.

Na advocacia, o "whistleblowing" criará um novo ramo de atuação: representação, preparação e proteção de informantes, como já ocorre nos Estados Unidos, onde existem escritórios especializados nessa seara.

O "informante do bem" pode revolucionar o combate aos crimes contra a administração pública. Muitas revoluções legislativas começam em silêncio e tomam corpo com a prática. A revolução do "informante do bem" está madura para acontecer. Com ela, o brasileiro contará com instrumentos diretos para sua luta de construção de um futuro melhor para nosso país e para as próximas gerações.

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