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Manoel Galdino

O inverno está chegando para a transparência pública

Promotoria deve ter condições de coibir condutas ilícitas previstas na Lei de Acesso à Informação

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Manoel Galdino

Doutor em ciência política pela USP, é diretor executivo da Transparência Brasil

O Senado Federal aprovou no último dia 29 de setembro projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa. A Casa revisora recebeu um texto muito ruim da Câmara dos Deputados, com inúmeros retrocessos apontados por várias organizações da sociedade civil que trabalham no tema da transparência e combate à corrupção. Após muito esforço das ONGs do campo anticorrupção e de membros do Ministério Público, conseguimos uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça, da qual eu fui um dos participantes.

Na audiência, enfatizei que a reforma criava impunidade para o descumprimento de uma norma fundamental para a democracia brasileira: a Lei de Acesso à Informação. A LAI, como é conhecida entre ativistas e jornalistas, regulamenta o direito constitucional de acesso a informações públicas, estabelecendo prazos, a publicidade como regra geral e em quais hipóteses legais o sigilo pode ocorrer. Além disso, tipificou condutas ilícitas que dariam ensejo a processos por improbidade administrativa.

O texto aprovado na Câmara, contudo, estabeleceu que quaisquer outras leis que existam ou venham a existir que falem em improbidade administrativa vão funcionar com uma cláusula adicional: não bastará provar que a ação de improbidade é deliberada e intencional, mas que foi realizada com o propósito de obter uma vantagem indevida ou benefício para si ou outrem. É o que a comunidade jurídica chama tecnicamente de dolo específico.

Eu fui o primeiro a apontar que, desse modo, acaba a possibilidade prática de o Ministério Público coibir condutas ilícitas previstas pela LAI. Isso porque o desrespeito à lei, ainda que feito com dolo (intencional e deliberadamente), raramente costuma acontecer de se obter vantagem indevida. Ignorar um pedido de acesso a informação, esconder ou distorcer uma informação, como temos visto recorrentemente nos últimos anos, ocorre porque o poder público não quer ser controlado pela sociedade. Mas isso não constitui vantagem indevida para si ou outrem.

Para contornar esse problema, propus uma exceção ao texto legal, justamente para a Lei de Acesso à Informação, que foi acatada pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA) e constou de seu relatório final submetido à Comissão de Constituição e Justiça. No plenário do Senado, no entanto, o relator deu para trás e se sujeitou às pressões para que mesmo violações ao dever constitucional de prestar informações públicas não pudessem ser punidas por improbidade administrativa. Foi o único destaque aprovado no plenário, indicando que o acordo construído funcionou quando quiseram que funcionasse.

O texto vai agora para a Câmara dos Deputados, e as perspectivas de que possamos reverter essa derrota são bastante diminutas. A própria assessoria de um dos senadores responsável por esse insucesso confessou a mim que o barulho da imprensa e da sociedade estava muito baixo para modificar o comportamento dos parlamentares. Ou a sociedade acorda ou os tempos sombrios durarão muitos anos.

Se, como diz a frase famosa, a luz do sol é o melhor desinfetante, estão garantindo que não haverá luz do sol por muito tempo. Como diria um personagem de "Game of Thrones": "O inverno está chegando".

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