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Natalie Unterstell

Os desinvestidores climáticos

Quem apostar em petróleo, gás e carvão perderá cada vez mais dinheiro

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Natalie Unterstell

Socioambientalista, é presidente do Instituto Talanoa

Uma manchete impensável: em 9 de setembro, a Universidade Harvard (EUA), instituição de ensino mais rica do mundo, declarou que não investirá mais seu fundo de R$ 210 bilhões em quaisquer ativos ligados à energia fóssil. O gesto simboliza a vitória de uma campanha de quase uma década, dentro e fora do campus, que envolveu alta polarização política, medidas judiciais e a eleição de ativistas para o conselho de administração da universidade.

O anúncio insere Harvard em um dos movimentos que crescem mais rápido na história: o dos desinvestidores. Dentre os mais de 1.300 atores já comprometidos com políticas de exclusão de carvão, petróleo e gás, constam universidades como Cambridge e Oxford (Reino Unido), o Vaticano, a Coroa da Inglaterra, os fundos de pensão de Noruega e Irlanda, assim como o fundo dos irmãos Rockefeller, que cresceu fazendo dinheiro no setor de petróleo e gás.

De US$ 52 bilhões em 2014, os desinvestimentos em ativos de petróleo, gás e carvão saltaram para mais de US$ 14,5 trilhões em 2021 —um impressionante aumento de 27.000%. A título de comparação, US$ 1,9 trilhão foram direcionados por bancos para o segmento desde 2015.

Em escala grande o suficiente como essa e ganhando velocidade em seu crescimento, o desinvestimento implica impacto financeiro real. Talvez por essa razão companhias de petróleo disseram em seus relatórios de 2019 que o consideram um risco material para seus negócios.

Mas o que explica esse efeito dominó de proporções trilionárias?

Primeiro, está claro que, seguindo seus planos de negócios atuais, as empresas de petróleo, gás e carvão serão “perdedoras” na economia de um mundo mais quente e de clima mais instável, como o projetado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). Os investidores sabem que essas cadeias estão perdendo valor, cada vez mais cedo e mais rápido.

Tal percepção de risco não é nova: em 2013, o banco HSBC estimou que as principais empresas de energia perderão entre 40% e 60% de seu valor negociado em bolsa sob o Acordo de Paris. O que há de novo é que antes a retórica em torno da crise climática era sobre reduzir emissões, agora a discussão instalada é específica em tempo e espaço: é preciso deixar a maior parte das reservas de combustíveis fósseis no solo. E isso não é conversa de ativista, apenas.

O rápido declínio da produção e do consumo de combustíveis fósseis se tornou uma recomendação tanto no recém-publicado relatório do IPCC e no cenário net zero da Agência Internacional de Energia (IEA) de maio passado. Há um chamado claro para que não se ultrapasse o orçamento de carbono global; assim, não mais do que 33% das reservas conhecidas de petróleo, gás e carvão poderão ser exploradas até o fim do século.

Uma consequência disso é que é fisicamente impossível alcançar emissões líquidas zero sem se desinvestir de boa parte dos ativos fósseis.

Segundo, apostar nos segmentos “vencedores” na corrida climática pode oferecer maior rentabilidade. Tem se observado um desempenho inferior do setor de combustíveis fósseis em relação àquele dos investimentos em energia limpa nos últimos anos —quem apostou em fósseis perdeu quantias significativas de dinheiro e perderá ainda mais quanto mais tempo demorar para desinvestir. Ainda assim, essa nova relação de “risco-retorno” está apenas em vias de se consolidar.

O anúncio tardio, mas significativo, da Universidade Harvard representa o quão decisivamente o zeitgeist climático mudou. Há muito capital ainda fluindo para os prováveis “perdedores” da corrida climática, apesar do Acordo de Paris. No entanto, está crescendo a rejeição à influência política das companhias ligadas a esses segmentos nas mais diversas esferas da sociedade. O efeito não deve tardar a chegar ao Brasil.

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