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Leandro Freitas Colturato

Os prantos de Esculápio e Hipócrates

Estamos em queda livre dentro do maior abismo que a medicina verá

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Leandro Freitas Colturato

Presidente da Associação Paulista de Medicina - Regional São José do Rio Preto

Ao nascer, Esculápio jamais imaginou a medicina do século 21. Filho do deus Apolo com a mortal Corônis, diz a lenda, ele foi criado pelo Centauro Quíron, que o educou na arte das ervas para tratamento e das cirurgias.

Aprendeu o poder curativo e se tornou o deus mais apropriado, no panteão, aos doentes e desesperados. Adquiriu tão grande habilidade que podia trazer os mortos de volta à vida, pelo que Zeus o puniu, matando-o com um raio.

Nos templos, guiados pelos sacerdotes-médicos, os doentes eram acomodados em pavilhões para serem purificados por meio de óleos passados na pele, banhos e jejuns. Acreditava-se que, quando dormissem, o poder de Esculápio os curaria ou enviaria orientações sobre procedimentos terapêuticos e espirituais. As eventuais mortes eram atribuídas ao fato de doentes não terem se purificado corretamente ou serem incuráveis.

Em um desses templos, se formou Hipócrates. Diferentemente de seus contemporâneos, adotou uma linha mais experimental e científica para o tratamento das doenças e lançou as bases do que viria a ser a medicina ocidental.

Parte do “seu” esplêndido juramento diz: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça”.

Saudade, a mais bela palavra derivada do latim, segundo a lenda surgiu no período dos descobrimentos e definia a solidão que os portugueses vindos para o Brasil tinham da sua terra e dos seus familiares. Eram atacados por uma melancolia por se sentirem tão sós e distantes dos seus.

Nada melhor define o que hoje sentimos se não a saudade. Saudade de quando enfermos eram purificados por óleos, banhos e jejuns porque estas eram as maiores crenças, e não por medicamentos incorporados à uma política estatal fraca e manipuladora. Saudade de quando as mortes eram atribuídas ao simples fato de pacientes não terem sido purificados, e não pela falta de leitos de UTI e de oxigênio. Saudade de quando experimentos humanos tinham o mínimo de ética e clareza, e não quando eram baseados em “achismo” ou manipulação política. Saudade de quando a ciência era usada em prol do seu bem maior, a cura, e não para a corrupção e experiência humana.

Hoje, quando planos de saúde mercantilistas assumem cada vez mais a ponta e o controle da medicina, a saúde sofre. A verticalização imposta traz inúmeros malefícios aos médicos e, principalmente, à população: uso de medicamentos e materiais de baixa qualidade, interferência negativa no relacionamento médico-paciente por proibir procedimentos e exames dignos, assalariamento que leva à perda total da prática médica como profissão autônoma e a “pejotização” que visa reduzir a carga tributária de encargos trabalhistas para denegrir e tirar os direitos dos médicos são práticas corriqueiras.

Não há serviço de qualidade à população quando o ambiente de trabalho é hostil, com baixos honorários, ameaças constantes de descredenciamento, dificuldade para internar pacientes, glosas ou atraso no pagamento, interferência na conduta e restrição à solicitação de exames.

A Associação Paulista de Medicina tem cobrado esclarecimento imediato das denúncias envolvendo a operadora Prevent Senior. Notificou o Ministério Público, a Agência Nacional de Saúde Suplementar e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) buscando esclarecer as graves denúncias de supostas irregularidades éticas, técnicas e administrativas, objeto de recente noticiário envolvendo a empresa. Há imperiosa necessidade de apurar os fatos, para que eventuais medidas saneadoras possam ser providenciadas com brevidade.

Nesta segunda-feira (18), Dia do Médico, a mitologia grega está em prantos. Esculápio rejeitaria tal título nos dias atuais, e Hipócrates não gozaria da felicidade e jamais estaria honrado entre os homens. Triste momento vive a saúde do Brasil. Estamos em queda livre dentro do maior abismo que a medicina verá.

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