Após quase seis meses de atividade, está chegando ao fim a Comissão Parlamentar de Inquérito que, no Senado Federal, apurou fartos indícios de irresponsabilidade, incompetência, desprezo pela saúde dos brasileiros e corrupção por parte de autoridades federais durante a pandemia de coronavírus.
O exercício de imaginar o que teria sido privado do conhecimento público caso a CPI não tivesse existido revela a importância dela. Os múltiplos fracassos da administração Jair Bolsonaro diante da maior catástrofe humanitária a abater-se sobre o Brasil em um século teriam passado incólumes pelas demais instâncias de controle.
Sob a gestão de Augusto Aras, a Procuradoria-Geral da República tomou aversão a adotar quaisquer procedimentos que possam incomodar o presidente da República.
O alinhamento ao Planalto, contrapartida pela arbitragem sobre emendas bilionárias, também marca Arthur Lira (PP-AL). No comando da Câmara, finge que não há razões para fazer tramitar pedidos de impeachment que se empilham.
Restou então, em meio ao deserto de acomodações interesseiras, a CPI de senadores. Embora seja direito líquido da minoria no sistema constitucional brasileiro, ela teve de ser arrancada a fórceps em petição ao Supremo Tribunal Federal.
Os trabalhos da comissão desnudaram indícios de afrontas à saúde pública, seja na negligência do governo na aquisição de vacinas —que teriam salvado milhares de vidas se fossem compradas e aplicadas antes—, seja na conduta irresponsável diante de emergências mortíferas como a de Manaus.
Faltavam oxigênio e leitos, mas as autoridades federais patrocinavam missões de charlatães para oferecer cloroquina aos doentes. O tratamento “precoce”, ineficaz, foi sobejamente propagandeado pelo próprio chefe de Estado.
Não espanta que, nesse contexto de degradação geral, uma arraia-miúda de farsantes tenha sido acolhida no Ministério da Saúde a tratar de negociatas e propinas para mercadejar vacinas inexistentes ou a ser obtidas por meio obtuso, fatos também apurados pela CPI.
As investigações do colegiado, ademais, indicaram a ocorrência de experimentos antiéticos e ilegais com doentes em hospitais, tudo em sintonia com as idiotices cultivadas no ambiente trevoso do Palácio do Planalto e difundidas pelo presidente da República.
Choca perceber em que porões de desumanidade e desídia o governo do Estado democrático brasileiro se enfiou quando foi instado a defender a vida dos cidadãos. Mas é melhor tratar dessa tragédia à luz do dia e permitir que a Justiça e a história façam seu trabalho.
Para isso a CPI da pandemia no Senado contribuiu decisivamente.
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